Maria Ioneida Lima Braga
Capanema / PA

 

A última cartada

 

               

Naquela noite, Jeamson encontrava-se sozinho com a irmã mais nova, na casa de campo da família. Como sempre vinha fazendo, ela cedo alegou uma dor de cabeça e enfiou-se em seu quarto. Passava das três da manhã e Jeamson ainda assistia televisão na sala. Ouviu um ruído na garagem.
- "Dad is you?" Perguntou querendo exercitar seu inglês. "Seria seu pai vindo fazer-lhes uma surpresa?"
Rapidamente baixou o volume da TV e aguardou. Silêncio. Voltou-se para o filme. O barulho recomeçou. Uma sombra cambaleando passou em direção ao quarto. Era Mima sua irmã que entrava pelos fundos. Inquietou-se com a aparência medonha dela e foi em sua direção, nem um pouco surpreso em vê-la chegar àquela hora, pois há muito tempo vinha apercebendo-lhe o comportamento estranho. Queria abraçá - lá, protegê-la de si mesma.  Murmurou trêmulo "Onde você estava. O que fizeram com você? ”. Ela desvencilhou-se dele e trancou-se no quarto. Jeamson só a viu dois dias depois, no café da manhã. Quando chegou à mesa ela já estava. A irmã mortalmente pálida e com profundas olheiras mantinha o rosto fixo na xícara de café a sua frente que ainda não fora tocada.
- Quer falar sobre isso?
- Meta-se com a tua vida idiota - Ela retrucou e retirou-se abruptamente derrubando a cadeira. Não a viu mais. Ele chorava copiosamente sozinho andando pela casa. Ouvia barulho vindo do quarto, mas ela não dava as caras. Jeamson já estava acostumado, com tal situação, porém começou a incomodar-se. Percebeu que tudo silenciara, bem mais tempo para entender, que estava indo longe demais, então vai ao quarto da irmã.
- Mima cê tá aí? Fala comigo - Chama aflito batendo insistentemente na porta.
Depois que completara dezoito anos prometera aos pais que cuidaria de Mima. Estava sem chão e pensamentos angustiados chegam aos borbotões. Deixara-a assim, muito à vontade, portanto não estava cumprindo a promessa. Precisava vê-la, falar com ela. Sempre foram muito unidos, só tinham um ao outro. Não reconhecia mais sua irmãzinha.  Seus olhos castanhos escuros perderam seu brilho peculiar. E se perguntava "Quando foi que aquela alma, outrora tão brilhante perdera a luz?". Desde cedo soube que a irmã era difícil. Lembrava como ela, com apenas seis anos de idade, já batia o pé para a mãe contrariando-a, nos poucos momentos que tinham em família. O pai, esse raramente estava presente. Mas, Jeamson nunca pensava nisso. Só gostava de lembrar de sua garotinha doce e alegre, de como se davam bem juntos. E agora como trazê-la de volta? Não se deu conta de quando ela adentrou naquele jogo tão perigoso.
Desde que se entendeu por gente ouvia dizer que a vida é um jogo. O jogador, porém, precisa tomar decisões. Diante disso, é possível escolher um emprego, casar, comprar uma casa, ter filhos…. Assim fez a sua irmã mais velha. Casou-se e foi morar na Flórida. Mas, Mima, não. Seus primeiros passos nos “jogos da vida” foram rumo ao desconhecido, e ele inquietava-se, pois via que nesse jogo ela estava perdendo. As escolhas erradas levavam seu jogo às jogadas inconsequentes e a envolver-se com algo bem mais sério que álcool, deixando-a a beira de um abismo e com certeza com um desfecho mortal. Para ele era desesperador cada cartada da irmã. Como poderia ajudá – la, e como dizer aos pais que falhara? O jogo da vida real ensaia muitas vivências. Além disso o jogador precisa lidar com perdas e ganhos e resolver as situações inusitadas do dia a dia! A irmã infelizmente não conseguira. O rumo que tomara no grande “Jogo da Vida” a condicionava a medos e limitações inconscientes. “O que faltou? ” Ele e a irmã sempre tiveram tudo. O pai um magnata do petróleo passava a maior parte do tempo viajando e a mãe o acompanhava. Quando retornavam de suas longas viagens, eram breves suas paradas em casa. Compensavam, todavia, com toda sorte de brinquedos caros e depois pilhas de presentes, para logo voltarem ao mundo dos negócios "A quem recorrer, a quem pedir socorro? "
Seus pais mesmo que chegassem agora, logo mais à noite ou se dali a um mês, isso já não faria a menor diferença. Ele e a irmã foram entregues à sorte…Desesperado continuou batendo na porta.  Viu a irmã na beira do abismo, jogando uma roleta russa. Mas ele só tinha 18 anos, dois anos mais velho que Mima... Também não sabia ler a jogada, não blefava, não tinha carta na manga...Saiu correndo para pedir ajuda. Quando o socorro chegou arrombaram a porta. Mima tinha jogado sua última cartada. A roleta parara sem que desse tempo de ela olhar em que cor.

 

 
 
Publicado no Livro "O Jogo da Vida" - Edição 2018 - Outubro de 2018