Lourival da Silva Lopes
União / PI
O caso da manequim da loja
Há muito que eu pensava em escrever essa
história, mas, sempre que pegava o papel e a tinta, ficava
com vergonha de expor o que acontecera comigo na época
em que frequentava o curso de artes da UFC. Hoje, porém,
resolvi relatar o caso que ocorreu entre mim e uma manequim de
loja.
Eu estudava de manhã. Próximo da universidade, havia
um shopping, pequeno, mas muito movimentado. Nos intervalos das
aulas, era o ponto de encontro dos estudantes. Quem tinha namorada
desfilava de mãos dadas, olhando as novidades das lojas.
Quem não tinha se enturmava para ficar zoando os outros.
Quando a turma entrava no shopping, intensificava muito o barulho
naquele ambiente. Alguns subiam as escadas para o andar de cima,
em busca do cinema. Outros preferiam ficar sentados nos bancos
batendo papo e tomando sorvete.
Eu tinha dezoito anos e ainda não tinha me apaixonado.
Havia uma garota da sala que eu pensava em me aproximar dela.
Mas toda vez que eu tentava, sentia que me rejeitava. No shopping,
meus olhos sempre buscavam encontrar os dela. No entanto, eu percebia
que, sempre que isso acontecia, ela tirava os olhos de mim. Aquela
situação me incomodava muito, mas eu guardava tudo
comigo. Não me abria com ninguém. Não queria
que ninguém soubesse que eu nunca havia namorado.
Um dia, fui-me sentar em um banco, já na saída do
shopping, próximo a uma loja de roupas femininas. Ao sentar-me,
coloquei a minha bolsa ao meu lado, abri-a e retirei um livro
do poeta Pablo Neruda. Enquanto lia alguns poemas do poeta chileno,
comecei a viajar na minha imaginação. Lia um poema
e fechava meus olhos, deixando que meus pensamentos me conduzissem
a uma pessoa com quem eu sempre sonhara: a garota da minha sala.
De mãos dadas, saíamos alegres e felizes, abraçando-nos
de vez em quando, sem nos importar com quem estivesse nos olhando.
No entanto, toda vez que nos aproximávamos, parados, tentando
encontrar o momento certo para nos beijar, a cena apagava. E eu
abria novamente o livro, em busca de um outro poema.
Nessa divagação, tenho um momento de (trans)lucidez.
Olho para o lado, onde está a loja de roupas femininas,
e percebo que há uma garota só de biquíni.
O corpo me fez lembrar o da garota de minha sala. Não olhei
para o resto do corpo e pensei: “que corpo lindo!”.
Você tem esse corpo lindo? Meu Deus! Súbito, olhei
para cima, impressionado com tamanha beleza. Então, frustrado,
vi que era uma manequim da loja. Era tarde, eu já não
conseguia tirar os olhos daquele corpo.
Nesse dia, quase não saio do shopping, impressionado com
a beleza daquela mulher. Só à tarde consegui chegar
a minha casa, com minha cabeça fervilhando pensamentos.
Eu já não tinha certeza se era uma manequim de loja
ou se era uma dessas modelos que se vestem e desfilam nas lojas.
No outro dia, ansioso, nem fui assistir à aula, fui direto
ao shopping. Ao chegar ao local e olhar para o lado, meus olhos
já não encontraram aquela garota de biquíni.
Agora, vestia uma calça de lycra bem apertadinha, dessas
que deixam a marca da calcinha. Enlouqueci. Estou perdidamente
apaixonado, pensei. Loucura total. Apaixonado por uma manequim.
Pirei. Isso durou um mês, durante o qual abandonei a sala
de aula.
Foi então que, quando estou sentado, olhando fixamente
para a manequim que agora vestia uma blusa com um decote enorme,
sinto uma mão no meu ombro, como se fizesse uma massagem.
Esfriei, gelei. Devagarinho, vou me libertando do olhar sobre
a manequim. Ao sentir que meus olhos penetravam uns olhos sedentos,
vi que era a garota da sala, de carne e osso. Só deu tempo
escutar:
- Eu te amo!
Nesse momento, ouço um tinir de cacos de gessos que se
espalhavam pela loja. A manequim havia se quebrado.
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