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Rubens Alves Ferreira
Taguatinga / DF

 

Inventário

“Todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.”
Fernando Pessoa.

Brasília, 15 de junho de 1990.

Fofa,

Não sei como estão os seus dias hoje; nem como ocupa suas noites – se iluminadas, escuras ou ébrias. Não imagino as responsabilidades que tem ocupado e desgastado sua bela estampa; antes, um receptáculo de olhares e desejos. Só espero que ainda tenha espaço na sua vida, entusiasmo na sua alma e força no seu corpo.
Alguém me disse certa vez que outra pessoa era mais bonita que você – alguém remediou: “são belezas diferentes” -: eu concordo, mas, gente bonita povoa as esquinas e o mundo todo; mas você...
Você...
Fico olhando... quase sempre recorro à sua foto e me derramo em todo um passado que não alçou futuro. Nesses momentos, meus olhos vão além do papel e são seus, a realização do tempo e espaço onde você se encontra... e meu coração não deixa o tempo puir sua imagem. Mesmo quando não olho, vejo e sinto com força maior. Que saudade da sua boca, dos seus olhos, do seu cabelão e do seu frescor e imaturidade, diante de um mundo que mostrava, apenas, uma face: o aconchego do lar, dos tios, primos e dos poucos amigos da vizinhança e da escola. Arrependimento do que não fizemos e não podíamos ou não queríamos ousar; mesmo quando tantos se aventuram sem medir as consequências ou empurrando-as para nós; às vezes, até, com más intenções. Tenho esperança, apesar de hoje, sermos outros, cheios de vícios e manias que o tempo incutiu ou tatuou em nós (Inclusive a lei da gravidade). Talvez o amor seja mesmo eterno e veja tudo isso só com perdão, sentimento e uma forma de conquista.
Minhas lembranças ocupam os dias e de quando em quando, atrasam o sono; ainda que seja um sentimento metafísico... virtual...
Eu adorava você mordiscando a parte macia do meu lábio, no namoro dentro do carro e achava engraçado, sua mãe rindo das nossas diferenças. Encantava-me o seu jeitinho de me provocar ciúmes, enquanto eu apenas ria; e quando eu chegava à sua casa e ficava ansioso por sua presença, você saia do banho com o cabelo molhado, toda flor orvalhada, como sua juventude e inocência. Falando em cabelo, ainda tenho o fio que você arrancou com tanta graça e me presenteou – a meu pedido – junto com uma foto 3x4 e um cartão, onde se lia: “Ninguém morre de amor. Serei a primeira se você disser não. De sua namorada que te curti muito”. – Nós não morremos –. Adorei quando você colocou em uma festinha arranjada, uma música lenta para nossa dança de reconciliação. Quase todo dia nosso namoro acabava.
Acho que você era muito jovem, carente e precisava de atenção constante; eu, apesar de já adulto, estava no auge e meu tempo era disperso – como gostava de acreditar – entre diversão e arte. Assim, sempre que me procurava tentando uma reconciliação, aproveitava para oferecer carona que a devolvia de volta em sua casa; e se resumia nisso, por que eu tinha medo de compromissos, de ser sociável e do peso da vida.
Adorei sua doce maldade quando em acidente doméstico – numa malfada reforma – sofri um tombo, cortei a cabeça, e você disse com aquele sorriso matreiro e tentador: “Bem feito!”.
Nossa história não deveria encetar um ponto final; mas na arte da música, da poesia, da pintura, da lembrança, da esperança: a Vida nos reúne neste vasto mundo, onde perdemos muito tempo a imaginar e a ter medo; e nada de tomar atitudes, de se jogar para conhecer os conteúdos do “sim” e do “não”, do “Ser” e do “Conhecer”.

Na vida não cabe ponto final; então...

...Beijos...


   
Publicado no livro "Os mais belos Contos de Amor" - Edição Especial - Outubro de 2014