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Mirela
Martorelli de Novaes
Casulo O calor do dia parecia fritar seus miolos. Ela pensava.
Pensava. Pensava. Há algumas semanas descobrira a sua doença. Teria
poucos meses ainda de vida. De repente, o que era brilho tornou-se
trevas. As crianças brincando na rua sempre foram motivo de alegria
e conforto. Hoje, nada mais eram do que vozes que gritavam ao
seu ouvido. Era verão. Seus amigos estavam na praia e ninguém
desconfiava do que acontecia em seu mundo. Ela estava sozinha.
Completamente sozinha. O telefone tocava insistente. O som a irritava,
mas preferiu ficar ali, parada, onde estava, onde sempre esteve.
Um dia, havia se apaixonado pelo cara mais cobiçado da escola. Era ridículo apaixonar-se por ele. Nunca teria chance nem de chegar perto. Havia garotas muito mais bonitas e interessantes. Ela, esquisita como o quê, não seria notada; talvez ridicularizada, se desse chance para isso. Mas se continuasse quieta, ninguém a perceberia. Filha única de uma família tradicional da cidade. Seus pais, altos executivos de uma multinacional, estavam sempre fora. Isso aumentava a sua solidão. A sensação era de um vazio vindo desde o berço. A solidão atingiu o ápice quando soube do seu destino. Existia mesmo um destino traçado para cada um de nós? Por que com ela teria de ser assim? Desejara algumas vezes ser diferente, mas em seu íntimo sabia que era impossível lutar contra a natureza. Preferiu calar. Mudanças não eram naturais. Outro modo de encarar a vida ou outro tipo de comportamento seria aceitável apenas se já convivessem lado a lado com o seu jeito hoje. Ela sabia que não existia outra maneira. O sol baixara e a noite já apresentava suas primeiras
estrelas. Pela primeira vez, ela sentiu vontade de sair correndo.
Voar. Isso. Ela queria voar. Era hora de fazer coisas com as quais
nunca sonhara. Conhecer novos lugares. Sobre a sua escrivaninha, um bilhete: “A vida e a morte estão sempre juntas. Já andei pela vida. Voarei com a morte”. No dia seguinte, nenhuma manchete nos jornais. Amigos voltando
das férias interrompidas. Lágrimas e perguntas.
Todas elas sem respostas.
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Publicado
no livro "Contos de Amor & Desamor" - Edição
Especial - Julho de 2014 |
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