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Mirela Martorelli de Novaes
Brasília / DF

 

Casulo

O calor do dia parecia fritar seus miolos. Ela pensava. Pensava. Pensava.
Quisera um dia parar de pensar. Parar de ler. Parar de falar. Quisera simplesmente parar.
O tempo, que bom se fosse apenas uma lembrança… Aliás, para que lembrar? A ignorância é uma virtude. Ouvira isso em algum lugar, ou será que lera? Nada mais importava. A hipocrisia era uma doença sem cura. O mundo, um doente terminal. As pessoas, pobres mortais…
Ela olhava para fora. As cores em tons cada vez mais aborrecidos. Como poderia um lugar tão lindo ser habitado por criaturas tão estranhas, tão dementes, tão complicadas?

Há algumas semanas descobrira a sua doença. Teria poucos meses ainda de vida. De repente, o que era brilho tornou-se trevas.
Seus olhos sempre parados em busca de uma resposta que nunca vinha. Não sabia como conduzir a vida dali para frente.
Não sabia se queria continuar. A ideia da morte era cada vez mais recorrente.

As crianças brincando na rua sempre foram motivo de alegria e conforto. Hoje, nada mais eram do que vozes que gritavam ao seu ouvido.
O mundo à sua volta era todo ilusão. Deitou e preferiu fitar o teto. Contava as estrelas que brilhavam no escuro que havia colado quando ainda era uma menininha. Havia esquecido que elas existiam.

Era verão. Seus amigos estavam na praia e ninguém desconfiava do que acontecia em seu mundo. Ela estava sozinha. Completamente sozinha. O telefone tocava insistente. O som a irritava, mas preferiu ficar ali, parada, onde estava, onde sempre esteve.
Ao contrário das garotas de sua idade, preferia passar as noites lendo a ter de sair por aí sem destino apenas para ser conhecida.
Preferia ler ou criar personagens. Suas maiores e melhores companhias.

Um dia, havia se apaixonado pelo cara mais cobiçado da escola. Era ridículo apaixonar-se por ele. Nunca teria chance nem de chegar perto. Havia garotas muito mais bonitas e interessantes. Ela, esquisita como o quê, não seria notada; talvez ridicularizada, se desse chance para isso. Mas se continuasse quieta, ninguém a perceberia.

Filha única de uma família tradicional da cidade. Seus pais, altos executivos de uma multinacional, estavam sempre fora. Isso aumentava a sua solidão. A sensação era de um vazio vindo desde o berço. A solidão atingiu o ápice quando soube do seu destino.

Existia mesmo um destino traçado para cada um de nós? Por que com ela teria de ser assim? Desejara algumas vezes ser diferente, mas em seu íntimo sabia que era impossível lutar contra a natureza. Preferiu calar. Mudanças não eram naturais. Outro modo de encarar a vida ou outro tipo de comportamento seria aceitável apenas se já convivessem lado a lado com o seu jeito hoje. Ela sabia que não existia outra maneira.

O sol baixara e a noite já apresentava suas primeiras estrelas. Pela primeira vez, ela sentiu vontade de sair correndo. Voar. Isso. Ela queria voar. Era hora de fazer coisas com as quais nunca sonhara. Conhecer novos lugares.
Sair daquele quarto e ver o que havia perdido durante tanto tempo. Não havia mais tempo. Ela queria voar. Sair de seu estado de lagarta e voar como uma linda borboleta. Levantou-se. Olhou para a rua pela janela. Voltou novamente seu olhar para o quarto. Estava arrumado como sempre. Suspirou. Ela abriu suas asas. Voou.

Sobre a sua escrivaninha, um bilhete: “A vida e a morte estão sempre juntas. Já andei pela vida. Voarei com a morte”.

No dia seguinte, nenhuma manchete nos jornais. Amigos voltando das férias interrompidas. Lágrimas e perguntas. Todas elas sem respostas.


   
Publicado no livro "Contos de Amor & Desamor" - Edição Especial - Julho de 2014