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Rafael Ferreira da Silva
São Paulo / SP

 

Rogério e Marta

Sentado em um banco que ficava próximo de uma das salas de audiência, Rogério olhava para o nada. Tentava entender como as coisas haviam chegado naquele ponto.
Rogério conheceu Marta ainda muito jovem. Ela veio de outra cidade, de um estado bem distante, junto com a família que havia se mudado como consequência de uma transferência do trabalho do pai.
Por causa do sotaque carregado e o biótipo incomum para aquela região do país, Marta era motivo de chacota entre os colegas da escola e não conseguiu se enturmar, optando por se isolar na maior parte do tempo.
Diferente dos outros meninos, justamente eram as diferenças de Marta que encantavam Rogério.
Um dia, na hora do intervalo, Rogério venceu a timidez e finalmente se aproximou de Marta, iniciando uma conversa da seguinte forma:
- Deve ser difícil vir para um lugar que não conhece ninguém! Não consigo imaginar sair daqui e ficar distante dos meus amigos. Pior ainda se fosse discriminado e alvo de gozação como está acontecendo com você.
Um pouco desconfiada, de um modo seco Marta respondeu:
- Realmente não é fácil. Você também vai zoar comigo?
Ciente de que a rispidez de sua interlocutora era o resultado dos dias de hostilidade, Rogério respirou fundo, olhou bem fundo nos olhos de Marta, sorriu, estendeu a mão e disse:
- Não precisa ser mais assim. Meu nome é Rogério e gostaria de ser seu amigo. Se depender de mim você nunca mais ficará sozinha.
Desconcertada, Marta retribuiu o sorriso e o cumprimento que selava o nascimento uma nova amizade.
A partir daquele dia Marta e Rogério estavam sempre juntos. Onde um era encontrado, o outro também estava.
Foi questão de tempo para que amizade evoluísse para um namoro.
No novo estágio da relação algumas características pessoais de cada um passaram a incomodar o outro. Marta era insegura, desconfiada, ciumenta e possessiva. Por sua vez, Rogério era teimoso, orgulhoso, irritadiço e inconsequente.
Consequentemente, o namoro era marcado por desentendimentos acalorados. Porém, como se gostavam muito, passada a raiva do momento, o casal se reconciliava e seguiu firme rumo ao casamento que acabou acontecendo poucos anos depois.
O início da união foi mágico. Os pombinhos tornaram-se perfeitos aos olhos do outro e nada parecia incomodar. As viagens que fizeram juntos e a ascensão profissional de cada um colaborou bastante para o período de bonança, mas certamente o exercício da tolerância e compreensão tornava tudo mais fácil.
A tormenta começou quando Marta retornou de licença maternidade após o nascimento do segundo filho do casal. A empresa onde Marta trabalhava a demitiu e ela não conseguia uma nova colocação no mercado.
Sem o aporte financeiro de Marta, Rogério procurou um emprego que pagasse mais e acabou conseguindo uma vaga na área comercial de conceituada empresa. O problema é que a nova função exigia que Rogério fizesse constantes viagens.
As ausências do marido e o desgaste da atenção exclusiva dedicada para duas crianças pequenas despertaram o que havia de pior em Marta. Nas horas que estava em casa, Rogério era atormentado por cobranças e insinuações de que mantinha casos extraconjugais. Por outro lado, Rogério não cooperava, reagindo com sarcasmo e agressividade.
A gota d´água ocorreu quando em um determinado dia, no auge da fúria, Rogério afirmou:
- Essa casa virou o inferno e você é o diabo gordo que o comanda!
Assim que percebeu a besteira, Rogério parou de falar e enquanto pensava em como consertar o estrago foi atingido no rosto por um tabefe e ouviu de Marta:
- Saia dessa casa e não volte nunca mais!
O desejo de Marta foi atendido.
Rogério via os filhos na casa dos pais, evitando todo e qualquer contato com Marta. Nas poucas vezes que isso acontecia, o ódio, ressentimento e egoísmo que explodiram no fatídico dia vinham à tona e uma nova discussão se iniciava.
Diante desse quadro, não houve surpresa quando o oficial de justiça entregou o mandado de citação com o divórcio requerido por Marta.
Então Rogério estava no Fórum para audiência.
Abatida, Marta estava no mesmo ambiente, alguns metros distante, amparada por uma advogada.
O casal foi chamado e se assentou na sala de audiência. Estavam de frente um para o outro. O Juiz estava em uma mesa um pouco mais elevada e acima dele, pregado na parede, havia uma placa.
Para evitar olhar para Marta, Rogério leu a placa que continha os seguintes dizeres:
“O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se vangloria, não se orgulha. Não maltrata, não procura seus próprios interesses, não se ira facilmente, não guarda rancor. O amor não se alegra na injustiça, mas se alegra com a verdade. Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.” (I Coríntios 13:4-7)
Rogério estava perdido em pensamentos quando ouviu o Juiz lhe falar:
- Sr. Rogério, por favor, preste atenção! A situação aqui é muito séria. Vocês estão prestes sacramentar o término do casamento de vocês. Existe alguma possibilidade de reconciliação?
Despertado do transe, Rogério encarou Marta com firmeza e disse:
- Eu não cumpri minha promessa! Deixei você sozinha! Fui estúpido e não entendi o que você estava passando. Descobri que amor não é um sentimento, mas uma escolha que fazemos diariamente, independentemente das circunstâncias. Me perdoe! Quero voltar para você! Quero a minha família comigo!
Chorando, Marta levantou da mesa e abraçou o marido.
Atualmente, Marta trabalha de casa e Rogério mudou para outro emprego, que não exige tanto tempo fora de casa. Ainda brigam de vez em quando, mas continuam juntos e felizes.

   
Publicado no livro "Contos de Amor & Desamor" - Edição Especial - Julho de 2014