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Teresa Cristina Cerqueira de Sousa
Piracuruca / PI

 

Saudade de Isabel

Anjos

Lembro-me de uma menina,
De sorriso em sardas,
Que avermelhava o rosto
Feliz em si mesma.
Cresceu, com olhos em sonhos dourados –
Dos amores que viriam,
Dos jardins que deixaria.
Ouviu a música de um choro infantil
Dentro de um castelo de amor
E, por fragilidade da vida,
Se demais amou,
Mais foi a dor que nos deixou
Quando partiu.
Mas é que anjos,
Sem nenhuma razão, passam...
Quando a poesia lhes invade o coração.

Isabel, que era conhecida por Bel, tinha uns vinte anos. Rosto arredondado, mesmo estando um pouco abaixo do peso, com um sorriso aberto e uns olhos pequenos. Alguns diziam ser de descendência japonesa, mas não se sabe se a mãe tenha ao menos visto um homem dessa nacionalidade na curta vida de seus vinte e três anos. Era órfã. Coisa singular para uma cidade pequena. Fora criada pela avó materna, mas era misto de criação de Dona Inês e de sua filha mais velha – Iaiá – que nunca casara.
Criada por uma família simples do interior do Piauí, ajudava desde pequena nas tarefas de casa. Quando adolescente – dava, principalmente, uma ajuda na lavagem da roupa da casa; ainda aos quinze anos aprendera a fazer a comida. Com orgulho souberam que tinha a mão boa para doces – naquela época se usava o fogão a lenha, o que deixava a comida ainda mais gostosa.
Grande alegria era para a avó quando Isabel convidava o padre Brasiliano para vir comer um bolo com café após a missa dominical. As conversas na varanda, em risos incessantes da moça, atraíam os vizinhos, onde a casa de Dona Inês passava a ser motivo de o padre se demorar um pouco além da conta antes de se dirigir para a paróquia no centro da cidade.
Apareceu, no festejo da padroeira do bairro, um rapaz que era sobrinho do lojista, com quem a família da jovem se fornecia. Tal foi a simpatia que surgiu entre os dois, que no espaço de dois meses a amizade dos jovens virou namoro. Mas se sentia a separação entre Isabel e sua família, melhor, com a cidade, visto que o rapaz era médico formado recentemente e havia passado em um concurso público para emprego em outro estado.
No finalzinho do ano, depois do Natal, foi realizada a cerimônia de casamento na pequena igrejinha do bairro e padre Brasiliano, na ocasião, chorou antecipando a saudade de Bel.
Nas férias do trabalho no ano seguinte, Iaiá e a mãe, com palavras de todos os conhecidos e uns doces da região, foram visitar o casal. Toda a saudade, vagamente escondida em telefonemas e cartas, foi superada em dias felizes de passeios pelas ruas de São Luís no Maranhão. Parecia ser um céu aberto para visitar museus, casas antigas e andar pelas ruas pitorescas; um mês se resumiu em dias harmoniosos, dando mostras de que outras ocasiões viriam com a mesma tranquilidade. Foi quando no dia da partida souberam que Isabel estava grávida.
Um filho. Quando a vida quer ser grata, sabe dar seus frutos. Creio que Dona Inês pensou seriamente em ficar e cuidar de Isabel: com seus cuidados para com uma mulher em estado interessante e os bordados do enxoval do bebê. Mas quando quis falar, Bel argumentou que ainda faltavam alguns meses e que a avó deveria voltar para casa e lá mesmo encaminharia o enxoval com a ajuda da tia Iaiá e das vizinhas. Interiormente, Dona Inês estava com uma euforia de contar a todos que seria bisavó logo, logo. Assim, aceitou ser induzida pelos conselhos da neta.
O tempo passou voando, em horas de muito trabalho com as roupinhas do bebê. Dona Inês e Iaiá sorriam – e olhavam as fotos de Isabel com a barriga crescendo – com roupinhas de bebê nas mãos. Até padre Brasiliano gostava de ficar admirando a beleza da gravidez de Isabel. Foi então que um dia chegou um telefonema de que Isabel não estava bem. Um problema apenas na elevação da pressão arterial, dizia o e-mail. Se Dona Inês nunca tinha tido medo de perder a neta, viu-se em seu semblante um medo terrível. A anciã tremeu visivelmente e disse que a vida não podia querer lhes roubar a felicidade à porta. Ela podia?
A casa parou por instantes, num silêncio pausado de quem não consegue ter pensamentos coerentes... A vida nos passa aos olhos; puxa da infância e atravessa os dias até a hora exata em que precisamos ser fortes e agir. Nisso, o olhar de Iaiá concordou com o de Dona Inês e elas decidiram ir ver Isabel.
Após dois dias, à tardinha, depois do e-mail quando as duas chegaram à residência do casal. Todavia Isabel tinha alterado a pressão arterial e com risco de eclampsia fora internada.
Passaram a noite no hospital. “O problema começou com uma dor de cabeça...”, disse Isabel com voz entrecortada... e um sorriso pálido (doce menina!). Foi a única vez que falou. Durante as horas seguintes daquela noite vieram convulsões e os médicos necessitaram fazer um parto prematuro.
Mais de uma semana passou, mas ainda a família não entende como Isabel faleceu. A infeliz mãe apenas pôde ver o filhinho antes de morrer; como um anjo que sabe o que vai acontecer.
- Tenho medo da saudade!... - gritou Dona Inês naquela noite.
E eu me lembro de Isabel, com o rosto cheio de sardas, correndo pela pracinha do bairro... Quem a viu sabia de seus olhos – de um mistério de certas coisas que não sabemos explicar... onde se constroem os segredos da vida.

E eu guardo Isabel no meu coração com carinho.



   
Publicado no livro "Contos de Amor & Desamor" - Edição Especial - Julho de 2014