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Sergio Tavares
Maceió / AL

 

Um tiro certeiro


Tchekovinsk lembrou-se de quando era jovem, seu pai, o senhor Karpov, queria que ele fosse médico, e insistia para que ele estudasse, a fim de conseguir ter um futuro melhor do que o seu. Sua mãe acreditava também, que ele tinha o dom para a medicina, e dizia que ele seria doutor, pois "tinha letra de médico" – falava dona Melinova referindo-se a sua escrita cheia de garranchos, quase ininteligível.
Tchekovinsk era um jovem menino que conhecia pouco a respeito do mundo, que não era interligado pela internet, que ainda não existia, e o tempo passava vagarosamente. Ele não fazia ideia ainda do que queria estudar no futuro, mas aceitava a sugestão de seus pais, com reservas, pois não suportava ver sangue.
Quando tinha uns 13 anos, sua mãe o levou a uma farmácia para retirar uma unha encravada, e tudo estava indo bem, apesar das dores da agulha da anestesia e do cheiro de éter, até que Tchekovinsk olhou para seu pé ensanguentado, dentro de uma bacia branca... quando voltou a si, estava sentado com o farmacêutico empurrando sua cabeça para baixo, a fim de acordá-lo do desmaio. Sua unha já havia sido extraída, porém a sensação horrível, o fez pensar se devia ser médico, e viver eternamente nessa angústia, ou procurar ser feliz em outra profissão ...
Resolveu parar o carro na orla, a fim de apreciar o mar, e a calmaria das ondas, naquele momento, o que lhe trouxe uma paz envolvente, como não sentia há tempos, foi apreciar ao longe um bando de aves, sobrevoando em torno de um cardume que tentava em vão fugir das bicadas certeiras.
Pensou no quanto a vida o fez amadurecer e seguir outro rumo diferente do que estava escrito no seu roteiro pessoal, fazendo com que sua família se diluísse diante de seus olhos, e seus sonhos pouco a pouco fossem se deletando de sua mente, antes que pudessem se realizar.
Quando resolveu entrar para a força policial, motivado por um amigo do qual ouvia contar histórias policiais, não teve o apoio de seu pai, mas sua mãe o apoiou incondicionalmente até morrer. Entretanto, a maior de todas as dificuldades foi encarar a realidade das ruas como policial, e seu maior temor teve que enfrentar logo nas primeiras missões a possibilidade de matar ou morrer, pois esta era a realidade do seu trabalho.
Ele então, lembrou do dia em que participou de uma operação de resgate com reféns, que se encontravam em um ônibus no centro do Rio de Janeiro, e apesar da situação não ser das melhores, o jovem Oficial participou como negociador, conseguindo nas ações iniciais convencer o sequestrador a liberar dois reféns que se encontravam necessitando de atendimento médico, conseguindo assim avanço nas negociações.
Porém, o delinquente não aceitava de forma alguma liberar, os dois último reféns, uma mãe com uma criança de colo, uma linda menina com uns três anos de idade, e estava irredutível por mais que Tchekovinsk tentasse convencê-lo com argumentos consistentes, tendo inclusive avisado para o bandido que a força tática, especializada em retomada de cativeiros, se encontrava pronta para invadir o local.
Em poucos minutos, a negociação já estava sendo transmitida em rede nacional pela televisão, e as pessoas se aglomeravam em torno do ônibus, onde os policiais tentavam manter uma área restrita de segurança em torno da cena de ação, a fim de proteger a população curiosa, de possíveis disparos eventuais.
Tchekovisnk, em dado momento, recusou-se a cumprir a ordem, que recebeu do comandante da força policial presente, para interromper a negociação, pois o sequestrador se encontrava com o revólver 38 apontado para a criança, ameaçando matá-la, e a força tática precisava agir imediatamente, para invadir o cativeiro.
Ele acreditava até o último instante na possibilidade de salvar aquela menina, chegando quase a implorar ao bandido, que se entregasse, que liberasse os reféns, mas o homem se mantinha resoluto, e queria que suas reivindicações fossem atendidas imediatamente, mas eram itens inegociáveis, e Tchekovinsk por mais que quisesse atender não poderia prometer algo impossível.
Antes que o jovem Oficial pudesse terminar seu último pedido ao bandido, ocorreu um disparo, e naquele momento, o mundo começou a parar de girar, era isso que ele queria, que o mundo parasse, que aquele projétil jamais saísse da arma, que ficasse ali parado no espaço, longe da cabeça do bandido.
O tiro foi certeiro, mas não teve outro jeito de terminar aquele sequestro, e enquanto Tchekovinsk corria para amparar a menina nos braços, o sequestrador dava seu último suspiro com uma bala entre os olhos.
Apesar dele ter contrariado seus pais, nada na vida podia pagar a felicidade que sentiu ao cumprir o seu dever, e salvar a vida daquela linda menina e de sua mãe. Por isso sua felicidade tinha uma razão maior, a constatação de que salvou a vida de uma criança, mesmo sabendo que para isso, precisou tirar a vida de outro homem.

   
Publicado no livro "Contos de Amor & Desamor" - Edição Especial - Julho de 2014