José Luiz da Luz
Ponta Grossa / PR
O lobo e o cordeiro
No sertão de Cerro Azul havia um caçador enigmático,
respeitado pelos rumores de que usava armas encantadas, e por
suas presas serem misteriosas. O fato de ser um inusitado caçador
vegetariano inflamava a imaginação do povo, além
de jamais ter ferido qualquer animal. Era o assunto principal
nas rodas de chimarrão, na embriaguez dos bares, nas encruzilhadas
dos sertões, nos clarões dos círios das capelas...
Quase todas as hipóteses foram levantadas sobre qual figura
tremia na mira de suas armas. A vozearia do povo se espalhava
como palhas ao vento: “se ele não caça animais
é certo que caça bandidos, mulheres, tesouros...”
Outros defendiam que perseguia seres sobrenaturais: extraterrestres,
espíritos, vampiros, lobisomens, bruxas, ou o próprio
Satã.
Embora respeitado, nas vagas da vida não era temido, pois
era um pacato ermitão de frases lentas e bem pensadas,
muitas vezes transmitindo com espantosa sabedoria ensinamentos.
Fazia do hábito dos animais analogia dos dramas humanos
criando lindas parábolas, aquela forma de pregar talvez
fosse a única pista de sua incompreensível caça.
Ninguém tinha coragem de interrogá-lo, penetrar
na sua morada era como sondar as sombras das sepulturas, onde
a face empalidece e o peito arrepia. Até que certo jovem
ficou inconformado com tantos comentários e excessivo mistério,
pois desde a tenra infância ouvia histórias fantásticas
sobre o caçador que se tornou uma lenda viva. Mesmo cheio
de terror decidiu por fim a tudo aquilo, fazendo uma visita de
surpresa ao ermitão caçador. Por precaução
muniu-se de uma mochila, dentro dela colocou alguns objetos que
acreditava lhe trazer alguma proteção: um crucifixo,
a bíblia, uma ferradura, pé de coelho, um espelho,
alguns dentes de alho, palha de milho... Fez algumas orações
e seguiu.
Diante da porta fechada o jovem tremente pede entrada.
— Seja bem-vindo! — a porta se abriu e o caçador
sorriu. — Jamais abri minha porta para um ser vivente, a
não ser para mim mesmo. Entre, a que devo a honra de sua
visita?
O jovem apertou a mochila sobre o peito e entrou, correu a vista
nas paredes em busca de pistas. Os caçadores costumavam
pendurar partes dos animais mortos nas paredes como troféus:
esqueleto da cabeça, chifres, patas, dentes, mas ali não
tinha nada. Revestiu-se de coragem e perguntou:
— Há anos o senhor é caçador de um
mistério, o povo teme estar em perigo de algo desconhecido.
O que o senhor caça?
— Caço lendas.
— Que lendas?
— Lendas verdadeiras.
— Como assim?
— Vago pelos sertões a observar o comportamento dos
animais, depois comparo com o dos homens, daí decifro os
dramas humanos.
O jovem ficou a cismar, fitou novamente as paredes procurando
alguma arma, não encontrando perguntou:
— E suas armas encantadas, onde estão?
— Na minha face! Minhas armas são os olhos que não
miro, mas que admiro.
O ermitão viu que o jovem era imaturo, e decidiu esperar
que questionasse:
— O que vê de importante em hábitos selvagens?
— Os animais nos ensinam muito, mas é preciso se
preparar para decifrar a lição oculta da natureza.
A raposa nos ensina a esperteza nas necessidades e a fuga no perigo,
a abelha ensina a doçura no lar e a bravura na defesa,
a formiga ensina a disciplina no trabalho e a cooperação
nas dificuldades... Há milhares de lições...
Quando foi perguntado para o antigo ermitão do sertão
do Serro Azul: “por que há pessoas boas e outras
más?” A resposta foi a seguinte:
— Dentro de nós temos de um lado um lobo faminto,
e do outro um cordeiro cheio de amor. Os dois se vigiam, separados
apenas por uma frágil cerca.
E quando foi perguntado: “até quando o cordeiro estará
seguro?” Ele respondeu:
— Até quando a cerca estiver em pé: enquanto
o cordeiro desconfiar da cerca e, enquanto o lobo respeitá-la.
O jovem ficou aliviado, pois o segredo era algo lindo demais.
— O senhor caça algo lindo demais, por que não
espalha para todos?
— Porque ninguém me perguntou. Às vezes, as
pessoas preferem a dor do imaginário ao amor da verdade.
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