Lourival
da Silva Lopes
União / PI
Não me possuo
Ouvi bater à porta, pancadas insistentes que me obrigaram
a dizer:
- Pode entrar.
- Desculpe, é que não havia ninguém na recepção.
- Tudo bem.
Educadamente, se apresentou. Trazia consigo uma pasta de cor preta,
enorme. Parecia pesada. Imaginei que fossem livros e papeis com
timbre da empresa em que trabalhava. Era um divulgador de livros,
a serviço de uma editora.
- O senhor é o secretário? – perguntou-me.
- Estou. – Respondi-o.
Abriu a pasta e começou a retirar uns livros encadernados.
Começou me dizendo que a editora era propriedade de seu
pai e dele também. Tudo me parecia normal. Qualquer pessoa
idônea pode registrar uma empresa em seu nome.
Ia retirando os livros da pasta e colocando-os sobre a mesa. Eram
livros do ensino fundamental. Junto, trazia alguns documentos
que tratavam de uma tal exclusividade. Ou seja, aquele material
só a editora deles produzia. Com esses documentos –
dizia-me -, eu poderia, se assim o desejasse, comprá-los,
através de processo de inexigibilidade.
- Mas todas as editoras que eu conheço apresentam esses
documentos, ponderei.
- Com material igual, só a nossa...
- Todas me dizem a mesma coisa, comentei.
Nesse instante, senti que ele trazia uma carta na manga. Olhou
firme para mim. Puxou a cadeira mais para perto, como se quisesse
me confidenciar alguma coisa, e, com a mão no queixo, baixinho,
sentenciou:
- O nosso diferencial é o que ofertamos por fora.
Fiz-me de desentendido:
- Não entendi.
- O senhor facilita a compra de nosso material e, em contrapartida,
doamos ao senhor cinco mil reais e mais dois computadores que
você pode até sortear entre as pessoas de sua equipe
que ajudar com algum parecer.
Afastei um pouco a minha cadeira. Coloquei uma perna sobre a outra.
Franzi a testa. Olhei-o fixamente, como quem quisesse obter mais
esclarecimentos.
- O quê? Cinco mil reais? Assim, dinheiro contado? Na mão?
- Desse jeito. Como o senhor entendeu.
Deu-me vontade de ligar para a polícia. Mas estávamos
muito perto um do outro. E eu já não sou mais uma
pessoa jovem. De repente, eu poderia ser vítima de uma
agressão. Mantive o equilíbrio. E percebi que ele
pensava em estar fazendo uma proposta normal. Recuei um pouco,
pensativo. Acho que ele entendeu outra coisa.
- Olha, dependendo da quantidade de livros, a gente pode aumentar
o valor.
Então, eu resolvi por um fim naquela proposta.
- Olhe, meu caro, eu sou um professor, de origem humilde, acostumado
com dificuldade para vencer o dia a dia. Aprendi a ser uma pessoa
ética. Jamais aceitaria qualquer proposta desse tipo para
beneficiar quem quer que fosse. Eu nunca faria isso. Se os seus
livros forem de qualidade, com preços justos, concorrendo
com outros, pode ter certeza que, ganhando a concorrência,
você será contemplado. Caso contrário, lamento
muito.
- Pois o senhor é o único. Em todo lugar que eu
chego, prefeitos e secretários é que me procuram.
Sei que exagerou. Não sou único. Nem quero sê-lo.
Mas é uma realidade triste essa de constatar que a corrupção,
o ato, é algo incontrolável, porque nasce do desejo
de possuir mais e de eliminar os outros sem que saibam o que,
de fato, acontece.
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