Maria dos Anjos da Costa S. Conceição
Porto Seguro / BA
A minha casa
Uma noite deitada em minha cama, meio sonolenta, não conseguia
conciliar o sono, embora estivesse cansada. Em alguns dias acho
ficamos assim. Lá fora, ventava e chovia forte, era outono,
mas devido o mau tempo a temperatura arrefecera bastante. Talvez
em noite como esta, nossos sentimentos aflorem mais, era como
eu me sentia.
Não sei em que momento eu adormeci de verdade. Acordei
no meio da noite, fui à cozinha beber água, depois
ao banheiro e voltei para cama, ela estava tão acolhedora.
A chuva continuava a cair então, me arrumei entre o lençol
e o edredom, tentando dormir novamente.
Passou algum tempo, não posso precisar quanto, sei que
demorou bastante, sem que o sono voltasse, não quis ir
ver as horas, para não ter que levantar, pois eu não
mais dormiria. Demorou um tempinho, eu ali encolhidinha, já
numa madorna, ouvi um barulho muito forte de uma trovoada, percebi
que a chuva tinha aumentado sua intensidade.
Comecei a dar graças a Deus, por estar na minha casa protegida.
Ter minha cama quentinha, imaginando quantas pessoas não
tem nem sequer a onde morar. Dormem embaixo das marquises, cobertos
por papelões, ou pedaços de plástico. Meu
Deus como é triste, imaginarmos uma situação
destas, pois mesmo que quisesse nada poderia eu fazer, pois nem
as autoridades tampouco conseguem, criam abrigos, mas eles não
vão para lá, preferem ficar pelas ruas.
Pensei, é muito bom meu Deus saber que meus filhos estão
acolhidos em seus lares. Que meus amigos e parentes, até
mesmo pessoas que eu nem conheço, estão nas suas
casas abrigados, seria melhor se todos que estão nas ruas,
pudessem ter seu local de refúgio, sua cama, seu prato
de sopa quente em uma noite assim fria e chuvosa.
Minha cabeça não parava, sentia neste momento o
desejo de agradecer a Deus, pelo fato de eu estar resguardada
dentro de casa, por ter me propiciado esta graça, mesmo
estando sem sono, já que o mesmo se fora completamente
e, com toda a certeza, iria demorar a voltar.
Devemos valorizar sempre o nosso cantinho, seja ele como for uma
casa, é sempre uma casa. Ali é o nosso lar, nossa
vida está cravada nas paredes, nossas ideias, sonhos, ideais,
desilusões, prantos, enfim tudo o que somos e que temos.
É a partir dela que construímos tudo o que desejamos,
nela também traçamos nossos projetos e muitas vezes
até os visualizamos prontos. O que é muito bom e
agradável, pois sabemos que estamos no caminho de alcançar
a nossa realização, a nossa vitória. Alguém
já em certa feita disse:
“Que se as paredes falassem o que será que elas diriam?”
Quantas coisas não seriam reveladas da vida das pessoas.
Sim, pois elas estão ali, ouvindo a tudo, presenciando
tudo. As paredes da nossa casa sabem do menor ao maior problema
ocorrido em nossa vida. Elas são as maiores testemunhas
de tudo que vivemos e passamos dentro de casa, embora inertes.
Tomei meu terço nas mãos e iniciei uma oração,
para todos os desabrigados, me ajeitei no travesseiro e sei lá
em que momento eu adormeci. Acordei pela manhã com o alarme
do telefone móvel. Levantei-me, agradeci a Deus por mais
um dia em minha vida, fiz a minha higiene matinal e me dirigi
à cozinha, para preparar o café e a marmita de minha
filha que ia para o trabalho.
Era uma manhã de quinta-feira, o sol já ia alto,
embora o relógio ainda marcasse 6H30 da manhã, só
eu havia levantado. Minha filha ainda dormia. Minha mãe
a mesma coisa, pois toma remédios para hipertensão
e eles a fazem dormir mais tempo. Enquanto preparava a comida,
voltei a lembrar no que havia pensado a noite e me senti um pouco
triste.
Refleti sobre todas as conclusões que eu havia chegado,
enquanto esperava pelo sono. Revendo a situação
de todas àquelas pessoas desabrigadas. Tantas crianças
que se drogam, junto com os adultos bêbados. O consumo de
bebida é inevitável em noites frias, para eles dormirem
mais rápido e ao acordar, será que iam se alimentar,
com que?
A maioria deles vive sem uma perspectiva de vida, sem oportunidade,
com seus sonhos despedaçados, tantos infelizes que se enveredaram
por um caminho meio que sem volta, já que para que aconteça
esta volta, depende muito deles quererem. Vivem como uns vegetais,
pois a dependência química faz com que de dia se
pareçam com uns zumbis. Já à noite se amontoam
em grupos para consumir aquilo que os destrói.
Assim enquanto eu preparava o alimento para minha filha levar
para o trabalho, ferviam os meus pensamentos neste assunto. Realmente
é lamentoso sabermos ou até mesmo presenciarmos
estas situações de risco em que se encontram muitas
de nossas crianças brasileiras. Digo brasileiras, porque
nas viagens que fiz a Europa, mais precisamente a Portugal, não
identifiquei casos tão alarmantes como aqui.
Existem sim, mas em países que estão em conflitos
étnicos ou religiosos, que sofreram com alguma catástrofe.
São casos em que as crianças perderam suas famílias,
sendo, levadas a sobreviverem da maneira como conseguem. A realidade
deles é completamente diferente da nossa. Casos estes em
se perde o controle de tudo.
Com estas inquietações todas, fechei a marmita,
beijei e abençoei minha filha, que se dirigiu ao trabalho.
Despedimo-nos com nosso cumprimento tradicional.
- Deus te leve e traga em paz filha, te dê um bom dia de
trabalho!
- Amém!
Ela assim responde.
Tomei o meu café da manhã, retomando meus afazeres
domésticos, ainda com os estes mesmos pensamentos. Como
é bom ter o nosso cantinho, poder sair e retornar para
ele, sabendo que seremos sempre bem vindos, seja a nossa casa
como for. Se um simples barraco de tábuas, ou um belo e
luxuoso palácio, o importante, é ser nosso, onde
pousamos nossa cabeça, descansamos do cansaço do
dia a dia.
Não nos importa sua condição, sempre que
saímos e retornamos para nossa casa, devemos dar graças
e, louvar a Deus por temos um lugar para voltar, um teto e um
chão nosso. Onde nos sentirmos acolhidos principalmente
se lá está nossa família que nos ama, aí
sim fica o perfeito “Lar Doce Lar”!
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