Rosemeire Stteffen
São Paulo / SP
Relatando-me
Queria um lugar que não sei imaginar como poderia ser concretamente.
Também queria reunir numa festa os amigos que nunca tive
e não tenho.
Há coisas que nem sei se quero entender; perderam demais
a importância.
Queria querer e... sonhar e desejar e procurar, mas não
há ânimo em mim.
Queria que as palavras não tivessem ficado mudas para que
pudesse dizê-las.
Queria encontrar um caminho para trás para reconhecer-me,
lembrar-me.
E quem dera fosse possível esquecer amplamente de cada
instante vivido.
As opções estavam lá no momento certo, mas
não entendo minhas escolhas.
Não compreendo ainda como quis entender o que me causou
apenas tempestade.
A minha alma pesa oitocentos e trinta quilos e sei pela curvatura
dos meus ombros.
Cansei de mim; assim como causei cansaço sem me dar conta
do quanto pesava.
Cansei de quem de mim se cansou, pois eles também não
se dão conta que pesam.
Tantos fatos repetidos e tantos momentos inesperadamente amargos
cansaram-nos.
Talvez o final não passe de cansaço, talvez no final
seja o que reste; apenas cansaço.
Complica que estou tão cheia, tão repleta e tão
permeada de vida que não tem saída.
Queria um lugar e só sei imaginar como não seria
branco e nem teria vãos para espiar.
Se quero ver o sol nascer, basta que eu abra a porta, apenas uma
das muitas que tenho.
A verdade é que minha existência não tem quase
nenhuma parede, mas muitas portas.
Não posso dar tudo que tenho para ter o instante milagroso;
há amores do mesmo quilate.
Descobri no meu corpo a dor que julgava ficar na alma e me anestesio
para transpor.
Não tenho carregado grãos, folhas e nem gravetos,
não tenho feito minha lição de casa.
Estou presente com meu corpo e minha alma pesada apenas para não
inquietar os dias.
Já vivemos em excesso dias inquietantes e não quero
que minha alma pese toneladas.
A mentira me cairia muito bem, pena que estou incapaz de apontar
o ideal e o real.
Os dias continuam ocorrendo tão indiferentes que me parece
heresia em abundância.
O sol não deixou de surgir, a lua contínua lá
intacta e nada, nada chora nossas perdas.
Certo é que simplesmente não quero uma casinha branca
e menos ainda uma varanda...
É um desejo concreto demais, finalizado demais para meu
equilíbrio desestabilizado.
Vou continuar andando na corda suspensa até chegar a algum
lugar, ou sei lá, ou não.
Algumas vezes é preciso relatar-me para que eu saiba o
que ou quem estou sendo.
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