Maria
José Zanini Tauil
Rio de Janeiro / RJ
Crise de realidade
Cortei em pedacinhos a fantasia, (isso é coisa de poeta)
mas não tive coragem de jogá-los fora. Um dia, acordamos
e percebemos que aquela roupa, (fantasia) já não
nos serve, como se, num curto espaço de descanso, a alma
se dilatasse, sem caber no antigo espaço, onde tão
bem se acomodava.Estou nas palavras, mas ainda prefiro as entrelinhas.
O que sei dizer de mim é quase nada, perto do ser que em
mim se oculta e que sangra para dentro, como hemorragia interna.
Sinto-me cansada de assumir o que não quero. Ir embora
é um processo que acontece aos poucos; acho que já
nasci partindo. Estou sofrida, por isso é natural que palavras
nasçam, jamais agressivas...indignadas somente.
Parece-me piegas descrever minhas angústias. Afetos desordenados
são um retrocesso, pois o amor não é inteligente.
Refletir é o mesmo que erguer casas, pois quanto mais conheço
o vocabulário humano, percebo o quanto é difícil
chegar ao íntimo do outro sem pesar, sem ser incômodo.
Sinto-me também inadequada. Escrever é uma ventura
perigosa, pois o coração registra e se revela. Uma
escrita nem sempre consegue alcançar, veda espaços
para que o sentimento não fuja ou se perca no caminho.
Ah! Palavra! Segura o significado do vivido, desafia o tempo,
engana a cronologia...mas a vida vivida, só encontra abrigo
ali: na casa da palavra.
Se mal edificada, o outro intui, pressupõe conforme sua
conveniência. Ela, (a palavra) pode ser motivo de alargar
distâncias, no mergulho do mistério dos significados.
Só que a minha palavra é pedido de socorro, minha
edificação literária é torta e nela
descanso minhas inquietações, hospedo minhas tristezas.
Essa edificação tem teto, que protege minha nudez
e é onde escondo minhas indigências. Mostro mais
naquilo que oculto do que naquilo que revelo, pois no avesso da
minha negação, está a minha afirmação.
Não sou terapeuta e você não é paciente.
Confidencio pressas e ansiedades, tempos idos de minhas procuras,
quando o coração desejava, mas não saboreava
desejos. Sofrer de juventude é destino e de senilidade
também, se a alcançamos. Lamentar perdas faz parte
da vida e a realidade pode ser cruel, pois o diamante brilha bem
mais na vitrine.
Num mundo de especulações, não quero mais
o cansaço do argumento, discussões improdutivas,
buscar inutilmente o lustre que o ego carece, pois as intenções
humanas nem sempre conseguem ser decifradas e isso não
se aprende com escolaridade.
Sinto o vento da simplicidade soprar em mim e ele me pede calma,
serenidade. Resolvi obedecer. Sonhos juvenis perdem o viço,
o que causava gozo, deixa de causar. A viagem de retorno pode
ser fascinante...e ao mesmo tempo, dolorosa. Felicidade não
é lógica, quebrar regras, que nem sempre conhecemos,
pode gerar a dor que só o amor pode causar e isso ainda
me assombra, pois as teorias todas chegam às minhas páginas
reais.Mergulho na questão e concluo que a desilusão
amorosa só tem razão de existir onde houver uma
história de amor.
Para mim, você foi a pessoa mais linda que no meu caminho
cruzou. Parecia personagem de literatura universal: inteligência,
sensibilidade, luz derramada nas minhas sombras; claridade que
ainda me envolve e me arrebata.
Se nascemos um para o outro? Isso me parecia parte do nosso destino
final, mas eis a realidade: a estrutura do edifício está
ruindo; o amor fragmentou-se. Levarei, porém, até
o último suspiro, essa minha indagação: seria
necessário o amor machucar tanto?
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