Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Jéssica Bessauer Nunes
Santa Maria / RS

 

Num fim de mundo



Num fim de mundo, campo aberto, um rancho perdido no meio do nada. Flor caminhava pelo campo com a sua cadela Gaia. Flor não conhecia o mundo, o mundo para ela terminava no horizonte, campo e céu. Ela andava todas as tardes depois de ajudar sua mãe nas tarefas do rancho. Moça meiga e xucra. Determinada e romântica. Ela pensava muito na vida, filosofava nos campos seguida por Gaia que lhe ouvia. Nesta tarde, Flor pensava no amor. Uma vez lera num livro que só se ama de verdade uma vez na vida. Ela nunca tinha amado, pois além daqueles campos nada conhecia.

Eis que nesta tarde, sob a luz do sol, avistou de longe, vindo do horizonte, pra além do mundo que ela conhecia, um homem a cavalo, pela distância Flor não podia ver seu rosto. O homem quando a viu, veio a trote ao seu encontro. Nisso Gaia começou a latir, Flor acalmou a cachorrinha com um afago, e olhou para o moço que já estava mais perto. Ele viu nela um castanho olhar determinado, com uma coragem que o surpreendeu e ao mesmo tempo com uma doçura que nunca tinha visto. Ela viu no rosto dele uma bondade, e um verde olhar de mistério, com uma ternura sem medida. Flor imaginou: “como um homem robusto que parecia viver pelo mundo afora tinha um olhar tão terno!” Neste instante, se apaixonaram.

Ziro vinha cansado e resolvera andar nos silêncios daqueles campos...era homem simples, campeava sozinho, conhecia mais da estrada do que do amor. Ele apeou e olhou a Flor. Flor que cresceu esperta, esperou um mínimo gesto do homem que chegara. Eles por um bom tempo se olharam e era como se, de repente, a alma deles ficasse em paz. Até que ele, por costumeira educação, destapou o silêncio e disse um “Buenas dona moça, me chamo Ziro “. Os dois vidrados com o olhar no outro, como se a apresentação fosse mera formalidade para aquilo que já sentiam dentro dos seus corações. Flor, em seguida, disse: “Me chamo Flor... E nunca te vi por aqui...”. Flor então pensou quanto tempo havia se passado desde que pensou no amor, parecia estranho constatar que não havia passado mais do que minutos.

Os dois viviam perdidos pelos campos, os dois desconheciam até então o amor.

Flor e Ziro se olharam e depois caminharam até o sol se pôr, conversando sobre tudo e silenciando, e era como se existisse apenas aquele pedaço de chão no mundo e que os dois carregavam o amor.

Então, Flor tinha que voltar. Ziro também, era soldado e os tempos eram de guerra. Então ele montou em seu cavalo, sorriu, deu meia volta...olhou para trás e abanou para Flor, que ficou ali parada sentindo o vento balançar seus cabelos e vendo o sorriso daquele homem. Ele disse “Eu vou voltar e vai ser para ficar aqui”. Então ele novamente foi rumo ao horizonte.

Flor chegou a casa e não parou de pensar nele. Como naquele fim de mundo ela poderia ter encontrado o amor?! Teria sido um sonho? Não, pensava ela... Eram duas almas perdidas no mundo que tinham que se encontrar! No outro dia, Flor contou para seus pais o que havia acontecido, eles ficaram um pouco receosos, pois quase ninguém passava por aquelas bandas. O tempo foi passando e eles viam Flor sair todos os dias para passear, e ela voltava sempre mais pensativa. Eles já estavam sentindo pena de Flor, que passava agora os dias a esperar.

Passaram meses até que um carreteiro trouxe a notícia de que os conflitos haviam se acalmado, Flor, que estava na cozinha, correu para fora com a notícia e sentiu um calor no coração. Passaram mais alguns dias e os pais dela se questionavam se ela não havia sido enganada por um homem do mundo, e tentavam conformá-la. Ela já começava a sentir-se triste, pois sabia que amava Ziro e acreditava no seu amor, embora os pais não levassem fé e toda a lógica contrariasse, ela tinha em seu peito a prova de que tudo era possível.

Na manha seguinte Flor lavava roupa quando ouviu o bater de cascos perto do rancho, ela levantou-se com um sorriso no rosto e correu o mais rápido que pode, sentindo o coração disparado, parou quando chegou à frente ao rancho, ofegante. Era Ziro que vinha a galope na sua direção... ele gritou: “Minha Flor, minha prenda! Eu voltei!”. Ele apeou do seu cavalo. Eles correram e deram aquele abraço de meses de saudade, enquanto as lágrimas rolavam de seus rostos. Ao ver os dois, os pais logo aprovaram o namoro.

A guerra acabou e Ziro não precisou mais voltar. Logo eles se casaram e ergueram seu próprio rancho, onde nasceu a pequena Ana Bela. Todas as tardes sentavam em frente ao rancho para tomar chimarrão e ver Ana Bela brincar com Gaia, mais adiante pastava o cavalo de Ziro, sob o sol daquele pedaço de mundo onde conheceram o amor.


   
Publicado no livro "Contos de Amor & Desamor" - Edição Especial - Julho de 2014