Rô
Mierling
Passos de Torres / SC
Amor atrasado
O amor não tem tempo, cor, idade ou estação.
O amor só acontece, sem pedir licença, chamando
de repente para novas sensações. Assim foi na vida
de Melissa. Ela era casada com Douglas, rapaz trabalhador e esforçado,
mas não muito atencioso e muito menos romântico do
que se podia desejar. Mas mesmo assim Melissa casou-se com ele,
sem amor, é verdade, mas com carinho e respeito, afinal
foram cinco anos de namoro em que ela gostava dele, esperando
que a qualquer momento chegasse o amor de verdade. Casaram-se
assim mesmo, só gostando, sem o amor, afinal o que diriam
dela se depois de tanto tempo de namoro “não desse
em nada”?
Tempos depois, Melissa já ia fazer sete anos de casada,
seguindo na sua vida normal, rotina, dois filhos, trabalho doméstico,
nada de muito espetacular, nada tinha o encanto e deslumbre que
ela imaginou que teria em um casamento.
Mesmo assim, Melissa continuava ali, em casa, firme e fiel. Até
o dia em que lhe faltaram ovos para uma receita de bolo e ela
teve que ir ao mercado urgente para comprá-los.
Já era quase cinco horas da tarde e logo Douglas chegaria
e o bolo não estava pronto. Ela deixou as crianças
com a vizinha, passou um pente rápido nos cabelos negros,
lavou as mãos e foi correndo em busca de seus ovos. Quando
chegou ao mercado, Melissa estranhou o movimento de tantos fregueses,
muitas conversas e risadas, alguns balões na porta do mercado.
— O que há de novo Telma? – perguntou Melissa
a uma vizinha que vinha saindo do mercado.
— O mercado mudou de dono e estão com promoções
– disse a amiga de Melissa.
Melissa entrou no mercado e foi em busca de seus ovos, não
teria mesmo dinheiro para qualquer promoção. Estava
ela ansiosa procurando pelos ovos que tinham mudado de prateleira,
quando escutou uma voz suave e compassada:
— Posso ajudar?
Melissa olhou para o lado e viu um homem alto, moreno, olhos espantosamente
azuis, com um porte forte e musculoso.
“Eu nem sabia que existiam homens assim” - pensou
Melissa.
— Ovos lindos – disse Melissa.
— Como? - perguntou Murilo, o novo dono do mercado.
— Ah, desculpe. Ovos, preciso de ovos – disse Melissa
sem graça.
Murilo sorriu e pegou na prateleira de cima os ovos e estendeu
a Melissa:
— Cortesia da casa – disse ele.
— Não posso aceitar – respondeu Melissa.
— Claro que pode, não vou aceitar pagamento, volte
na próxima e pague em dobro – disse Murilo.
Melissa na pressa, não podia nem discutir, pegou os ovos
e saiu quase que correndo do mercado. Ela fez o bolo, o melhor
bolo que já tinha feito na vida. Não conseguia parar
de pensar nos olhos de Murilo.
Douglas chegou em casa, filhos gritando, televisão alta.
Louças para lavar, meninos para por na cama, marido para
dar boa-noite. Enfim Melissa consegue parar para tomar banho e
ir deitar. Mas nesse momento, de novo, os olhos de Murilo a seguem,
ela se lembra, ela se encanta.
E dia a dia, as idas de Melissa ao mercado se intensificaram,
e a cada dia mais os olhos de Murilo pareciam mais e mais lindos
e brilhosos. Ele, homem honrado, nunca tentava mais do que um
sincero cumprimento gentil. Ela moça direta, jamais passava
dos suspiros.
Seis meses depois, Melissa já não conseguia mais
ficar sem ver Murilo. O amor que queima, ardente e sensual havia
chegado à vida dela, mas agora ela já estava casada
com Douglas. E indignada, Melissa se perguntava por que o amor
demorou mais de sete anos para chegar a sua vida. Nada era igual
ao que sentia por Murilo. Suor nas mãos, tremor nas pernas,
gaguejava sempre quando falava com ele, seus lábios ficavam
úmidos e ela perdia toda a noção do que a
cercava.
Outros meses se passaram e cada vez mais Melissa ficava aflita
para ver Murilo, guardando dentro de si esse amor frustrado. E
nada mudou em sua vida, nem mesmo Murilo mudava, sempre gentil,
sorriso, olhares e mais nada. Só o coração
de Melissa que agora queria pular pela boca quando via Murilo,
e por uma incrível coincidência, todo dia Melissa
precisava comprar algo no mercado.
“Será que ao menos ele me nota de verdade? Será
que ele sente algo por mim? - indagava Melissa ao fim de um ano
de amor profundo por Murilo.
Douglas nada sabia, nada desconfiava e a vida de todos prosseguia
até que certo dia o mercado se fechou em plena terça
feira. Melissa quase enfartou vendo as portas do mercado abaixadas.
“O que houve? Será que ele está doente?”
– pensou Melissa que não sabia o que fazer.
Mas voltando para sua casa, antes de chegar a sua rua, resolveu
não levar aquela dúvida terrível para casa
e antes de entrar na rua de sua casa, Melissa entrou uma rua antes
e foi rumo a casa onde diziam que Murilo morava.
Melissa ficou cerca de 40 minutos rondando a casa até se
decidir bater na porta. Ansiosa, não tinha a mínima
ideia do que iria dizer, mas ela precisava desesperadamente saber
o que tinha acontecido com seu grande amor.
Ela bateu na porta, escutou passos e a porta se abriu. Uma loira
esbelta e linda se dirigiu a Melissa:
— Pois não?
Melissa sem saber o que dizer, pensou ter se enganado e disse:
— Desculpe, acho que me enganei de casa.
— Quem você procura?
— Murilo, dono do mercado, deve ser a casa ao lado não
é mesmo? - perguntou Melissa.
— Não. É aqui mesmo, ele é meu esposo,
nos casamos ontem - disse a bela loira com um largo sorriso no
rosto.
Melissa fica ali parada, estática. E por fim, sem ter o
que dizer, ela pergunta:
— Preciso de ovos, quando vocês abrem de novo?
— Daqui uma semana após a lua de mel – responde
a loira.
— Ah, obrigada - murmurou Melissa que sai sem achar chão
para seus próximos passos rumo a sua casa, seus filhos,
seu marido e sua vida onde o amor, infelizmente, chegou atrasado.
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