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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

Eterna fonte da vida

Abri o jornal e lá estava escrito: “Morre o poeta dos poetas”. Fiquei a imaginar quem é este poeta dos poetas que acaba de morrer. Continuei a ler o texto jornalístico que me aprisionava a ele, em seus sugestivos signos aglutinadores de distorcidas imagens. Meu pensamento acelerava como vulcão. E eu estava preparando o meu frágil corpo para ser tocado por alguma coisa vinda deste complexo mundo exterior. Senti certo calafrio que desajustava a minha nobre alma inquieta de sua fixa tranqüilidade de viajante terrestre.
Era eu e o jornal, dois sujeitos que se encontravam de forma desajeitada e solitária. Mas algo me dizia que esta solidão estava com os segundos a explodir. Uma solidão banhada de estúpidas imagens de ausência de palavras. Desejava continuar lendo, mas o pânico transmitido pelas primeiras palavras expostas me impedia de continuar a nobre leitura.
Depois de alguns alucinados minutos, devorados pelo tempo que também ali se fazia presente, ansiosamente desejava que a cena se desenrolasse, pois o tempo urge e tem pressa para produzir novos conflitos humanos. O tempo vive dessas contradições. Sem esses sujeitos problemáticos, creio que o Tempo não teria tanta importância na “curvatura dos sentidos”. Chamo de “curvatura dos sentidos” esta busca insana dos homens por algo que eles jamais conseguem realizar completamente porque são sempre interrompidos pelas “ondas cegas do tempo”. Outro termo que eu trago neste espaço de prosa. “Ondas cegas do tempo” são as faíscas geradas pela sanguinária das gentes, muito conhecida pela humanidade como “morte”. Essas ondas paralisam os corpos humanos, e os tiram de cena, da vida.
Retomando a cena: Eu, o Jornal e agora o Tempo. Três competitivos seres destituídos de poder e potência, três seres portadores de um querer poder podendo. Mas quem realmente dará o sinal de continuidade da cena sou Eu, que num simples desmanche de segundos, atropelo o Tempo e sigo a leitura do erudito Jornal que anunciava ao mundo a extraordinária notícia. O Jornal tem esse fim: adora anunciar certas verdades, e amam as verdades que fazem os seres se entristecerem. Ele conseguiu: Eu estava ficando abatido. Desejava saber quem realmente morrera. Olhei covardemente a rebelde folha do poderoso Jornal, e consegui detectar as seguintes palavras: “Morre o poeta dos poetas. Morreu sorrindo, morreu como quem parte partindo, como quem sai saindo, como quem morre morrendo, como quem deixa de respirar para suspirar a eternidade dos suspiros”. Os signos ficaram embaralhados em meu juízo, criando cruzados deslizes, criando certa estrada carregada de leves sentidos que me transmitiam felicidade. Parei. Respirei. E percebi que este não era o momento de tamanha alegria, porque ali estava uma informação da morte de alguém que creio ser muito especial na vida minha e nas demais vidas fugidias, nesta humanidade estragada por seus repetidos frutos de cenas interrompidas. Estava eu sendo devorado por um mundo de um tempo de reforçado alheamento. Imaginei que era o poeta um homem de lídimos valores e inesgotáveis sentimentos humanos. Pensei: Trata-se de um poeta romântico simbolista modernizado por uma poética pós-modernista. Desejei continuar a leitura quando um pensamento me amarrou os sentidos: “Suspirar a eternidade dos suspiros”. E tentei compreender o que difere respirar de suspirar. Um nó daqueles feitos de sumo de folhas amargas que descarregam na nossa garganta deslizou em meu frágil pensamento, fundindo meu último entendimento do que é a vida. Percebi que eu apenas na vida respirava, e que eu precisava aprender a suspirar para viver como vivem os poetas que fazem da vida uma arte bem laboriosamente trabalhada, que fazem dos signos, belos suspiros de diamantes segredos. Respirei alguns fragmentos de sons e ventos que entravam e saiam de meu segregado corpo, e continuei a leitura. Senti que o Jornal queria tirar o meu fôlego, queria deixar-me como quem bêbado ficou sem ter tocado em nenhuma bebida. Até que neste momento de profunda resistência, gostaria de ter bebido um pouco, porque faria uma leitura escorregadia e entregue às linhas de quem ao beber foi tocado por Dionísio em seu estado de carregamento reflexivo. Mas, este não foi o caso. Era uma segunda-feira, primeiro dia da semana de labor e de frescor. Era uma manhã em que o sujeito Eu, este que vos fala abertamente, como personagem e narrador desta sôfrega história, sentia a presença de dois sujeitos que lhes interpelava com tremenda curvatura: o Jornal e o Tempo. Após o saudoso respirar, consegui ver as seguintes palavras que se arrastavam para o fim daquela empoderada mensagem: “Ao suspirar a eternidade dos suspiros, ele teve de volta a sua vida, porque poeta que é poeta, e poeta dos poetas, não morre jamais, suspira e torna a viver. Tenho dito”.
Pronto! Fiquei com os meus sentidos tolhidos por uma dor avassaladoramente exposta. Morreu ou não! E quem é este nobre poeta? Tive um rápido susto. Fui mergulhado por meus próprios enganos, e me desfiz de meus próprios fundamentos. Percebi que a leitura nos encaminha e nos desencaminha. Quando pensamos que lá já chegamos, descobrimos que faltam ainda alguns quilômetros a ser percorridos para encontrarmos o almejado sentido, e sentirmos saciados em nossas buscas porque somos ávidos leitores sacudidos por nossas próprias formações ideológico-discursivas, somos traídos por nossos próprios pensamentos. E entre respiros e respiros, talvez suspiros insustentáveis, continuei a leitura que se aproxima de seu definitivo fim, de seu fechamento ou de sua abertura, pois toda leitura deixa em seu fechamento uma leve faísca que sempre deverá ser aberta por um ansioso leitor. E deparei-me com as palavras finais:  
“Este poeta que venceu a si mesmo através de seu suspiro é todo aquele que ler as palavras deste jornal e as transformam em vidas repletas de sentidos, porque o meu público não morre jamais, suspira! Porque o meu público é a verdade da qual escrevo todos os dias, nestas mal traçadas e significativas linhas que o Tempo me proporciona escrever.”
Olhei de forma sublimar o grande céu que se abria em minha frente com toda a sua majestade e livre liberdade de firmeza, um céu atemporal. Guardei o Jornal como quem guarda em sua memória um Grande amigo, dei um grande sorriso, e pela primeira vez na minha vida, suspirei, morri e venci a morte, porque consegui suspirar e entrar na “eternidade dos suspiros”. Consegui entender que quem respira entrega-se todos os dias ao Tempo, mas quem suspira ultrapassa o Tempo e atravessa as linhas que se escondem por trás dele, a eterna fonte da vida.

(À professora Lúcia Netto, da Universidade Estadual de Santa Cruz)

 

   
Publicado no livro "Contos Ardentes" - Edição Especial - Janeiro de 2015