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Mauro Cezar Vieira
São José de Ribamar / MA

 

A estranha estória do maníaco do canivete

           - Meus amigos – o delegado Romão começou a entrevista coletiva – nossa cidade está sendo assolada por um assassino cruel! Uma pessoa sem escrúpulos! Um homem sem coração! Não adianta mais nós escondermos esse fato alarmante da sociedade! Há algumas semanas nós estamos atrás do bandido conhecido como ‘maníaco do canivete’. Esse terrível criminoso aborda mulheres solteiras na rua, sempre depois das 10 da noite, as seduz facilmente, e as leva para cama. Depois disso ninguém tem mais noticias delas e só se encontra os corpos no outro dia, todos marcados, pelo que os nossos legistas acreditam ser cortes de uma faca pequena, ou um canivete.
- Mas delegado, onde esses corpos são achados? – pergunta Maiza, jornalista e repórter do Jornal Ludovicus.
- Minha cara – responde o delegado Romão – os 10 corpos foram encontrados em 10 motéis diferentes pela cidade, na região da Areinha. Em todos os motéis, nenhum funcionário soube reconhecer algum hóspede com atitudes suspeitas, de forma que nós não temos nenhuma pista sobre o assassino.
- Mas delegado – Maiza continua – não é meio contraditório um órgão como a Policia Civil, que investiga os crimes em nossa sociedade, não ter nenhuma noção de onde começar a investigar?!
Nesse momento todos os jornalistas da sala fizeram sons de espanto. Aquela repórter era mesmo intrépida. O delegado Romão já tinha 35 anos no cargo e sempre fora um servidor competente. A cidade de São Luís há muito tempo não sabia o que era um criminoso solto, pois o delegado Romão nunca deixou que isso se sucedesse. “Na minha cidade não!”, ele dizia. Sua influencia era muito forte e seu prestigio, perante os colegas e a sociedade, era muito alto.
Depois da pergunta de Maiza fez-se um silencio ensurdecedor na sala de imprensa, em que se encontravam reportes de todos os grandes nomes do jornalismo maranhense.
- Minha senhora – respondeu o delegado, já irritado e meio sem jeito – em toda minha carreira de delegado eu prezei pela honestidade com os cidadãos, e, se hoje falo que nós não temos pistas é movido, única e exclusivamente, pelo respeito que tenho pelos ludovicenses. Ou a senhora prefere que eu minta?
Vozes de espanto ecoaram pela sala. O delegado Romão tinha saído de cabeça em pé da situação vergonhosa que a repórter do Jornal Ludovicus havia lhe colocado. Maiza enrubesceu. Não podia ter recebido uma resposta daquelas. Aos 28 anos ela era a jornalista mais renomada da cidade. Jovem, linda, solteira, e cobiçada por vários homens, Maiza sempre fora uma estudante dedicada, desde os tempos da Faculdade de Jornalismo, e agora isso era recompensado pelo brilhante trabalho que ela fazia. Maiza era uma repórter policial. Sua função era relatar as pessoas todos os fatos policiais que aconteciam na cidade, e isso passava pela figura do brilhante delegado Romão. Para ela, Romão era um desvirtuado sexual. Desde que a vira pela primeira vez, durante uma pequena entrevista que fez com ele quando ela ainda era uma estagiária no Ludovicus, Maiza já percebera os olhares maliciosos do delegado. E isso se repetiu varias outras vezes durante seus oito anos de trabalho no Jornal. “Até que ele é um coroa bonito”, pensava Maiza, porém, ela nunca deu chances a ele por respeito ao seu trabalho e, principalmente, por odiar homens safados. Era de conhecimento de toda a cidade que o delegado tinha uma família que era o modelo de perfeição para todos os moradores de São Luís, e Maiza, repudiava aquele homem por saber que ele tinha olhares maliciosos para ela enquanto sua mulher estava em casa, ansiosa por recebê-lo.
- Bom, se ninguém tem mais perguntas nós terminamos por hoje – fala o delegado puxando o seu celular do bolso e digitando algo que para Maiza pareceu ser uma mensagem de texto.
Imediatamente, Maiza levantou da sua cadeira e foi em direção ao delegado. Seu faro jornalístico lhe advertia que havia mais coisas naquela história do que o delegado estava contando. Assim, foi vencendo a multidão que ia rumo à porta de saída, enquanto ela caminhava na direção contrária, em busca de um contato com o delegado Romão.
- Delegado Romão! Maiza Braga do Ludovicus. Como é se sentir impotente depois de tantos anos como delegado? – soltou a repórter
- Minha filha! – esbravejou o delegado – Tudo o que tinha a declarar já falei na entrevista! Se quisesse perguntar teria feito enquanto estávamos todos reunidos na coletiva e não agora! – soltou o delegado enraivecido enquanto seus assessores o tentavam tirar do local.
Já era 10h30min da noite, quando Maiza saiu da sala de imprensa meio chateada com a resposta do delegado. Fora um dia bem difícil e ela estava profundamente cansada. Caminhava em direção ao seu carro, porém, parou no meio do caminho em uma lanchonete e pediu um café, para tentar manter-se acordada enquanto dirigia para casa. Sentou numa mesa e um garçom com cara de galã veio lhe atender:
- O que a senhora deseja? – disse o garçom com um sorriso
- Um café, por favor – ela respondeu retribuindo o sorriso
O garçom entrou e ela ficou a imaginar: “Nossa! Que homem bonito! Ele deve ter a minha idade”. De repente, ela se viu atraída por aquele garçom como nunca antes havia acontecido na sua vida. “Tá... Tenho que voltar para a realidade”, disse ela afastando aquele pensamento. Então pegou seu celular e observou que havia recebido uma mensagem. Ela abriu e levou um susto enorme quando leu as letras garrafais: HOJE É A SUA VEZ!!!
Subitamente, um arrepio lhe correu o corpo. Uma sensação de perigo lhe advertia que ela deveria sair dali. Maiza partiu o mais rápido que pôde em direção ao seu carro, sem correr, contudo, para não levantar suspeitas. Nem viu quando o garçom chegou com o café e percebeu a mesa vazia e a repórter andando rápido e meio trêmulo. O carro estava a cerca de 100 metros de distancia e ela caminhava a passos firmes. Foi nesse momento que ela ouviu uma voz lhe chamar por sobre seu ombro:
- Maiza?
Ela virou-se e respondeu:
- Sim?
Foi então que ela viu um homem que fez todo seu corpo esquentar. Não sabia dizer quem era, mas tinha um rosto que lhe parecia vagamente familiar. Achou que era o garçom. Em poucos segundos ela se sentia completamente entregue àquela figura. Ele parecia ser muito bonito, apesar de não conseguir ver o seu rosto.
- Vamos para um lugar mais reservado? – ele disse, enquanto Maiza tentava reconhecer aquela voz que lhe era familiar.
- Ahn? Como assim? Quem é você? – disse ela tentando dissimular sua atração por ele.
- Vamos Maiza. Não relute – disse ele num tom suave que envolveu a repórter.
- Mas para onde...? – retrucou ela, com a voz embargada, já evidenciando seu estado de entrega.
- Confie em mim. Você vai adorar – sentenciou o estranho com um olhar que fez Maiza se estremecer.
= Tá bem – disse Maiza completamente entregue, enquanto entragava a chave do carro para ele
Os dois entraram no carro. Ele deu a partida e eles saíram em direção ao bairro da Areinha. Cada vez que Maiza se virava para aquela figura estranha, ela sentia algo queimando dentro de si, e a sensação de que conhecia aquele homem. Ela não conseguia entender. Como pode uma mulher tão independente quanto ela, de repente estar entregue desse jeito tão fácil? Não sabia explicar, e, na verdade nem queria pensar nisso, o que ela mais queria era ter aquele homem só para si.
Chegaram ao portão do motel que se abriu lentamente. Ela virou-se para ele e ainda não conseguia distinguir aquele rosto. Parecia o garçom.
Entraram num quarto que tinha uma iluminação vermelha bem fraca, e ele começou a beijá-la. Ela ardeu! Sentia um profundo desejo por aquele homem, que a acariciava com um carinho inenarrável. A cada vez que a boca dele tocava seu corpo, Maíza sentia-se mais viva e ao mesmo tempo mais entregue. Ele a despiu completamente. Ela se desmanchou em brasas!
Foi então que ele pegou um canivete que estava no criado mudo e passou o braço dela, que começou a sangrar vagarosamente. A hora tinha chegado. A visão de Maíza começou a ficar turva. Sentia uma leve dor aguda no braço e percebeu que estava sangrando, mas não conseguia distinguir o que estava acontecendo com ela. Parecia que ia desmaiar. Não sabia se era pelo sangue ou pelo prazer, só sabia que estava desfalecendo. Porém, como num ultimo lapso de lucidez, a repórter conseguiu identificar o rosto daquele estranho, antes de todo seu mundo se converter na escuridão total.
Maiza acordou no outro dia, meio tonta, com o estranho da noite passada em cima dela. Ela o chamou, chamou, chamou e ele nem se movia. Então ela empurrou o corpo dele com sua perna e ele virou-se. Foi então que a jornalista viu a cena mais horrenda da sua vida. O delegado Romão, sem roupa, e com cortes finos, que pareciam ter sido feitos por canivete, ao longo de todo o corpo. A repórter se levantou e tomou outro susto quando percebeu que havia um canivete sujo de sangue repousado na sua mão direita. Ela estava horrorizada.
Então, lembrou-se da noite passada e de como aquele personagem estranho parecia-se com o garçom. Como poderia, uma pessoa ter três faces diferentes? Não conseguia entender, porém não tinha dúvidas que o delegado era o ‘maníaco do canivete’. Mas, por algum motivo, ela não tinha sido sua vítima e sim ele próprio.
- Depois de tantos anos cobrindo assassinatos, eu mesma sou a assassina?! Não pode ser! – disse Maiza arrasada, fechando os olhos para não ver aquilo.
Súbitas lembranças começaram a correr a mente da repórter. Cenas soltas em que ela se via desmaiada e o delegado segurando o canivete nas mãos dela, e apontando-o para o próprio corpo. Ao perceber isso ela abriu os olhos assustadas, com medo de lembrar-se do ocorrido.
Mal podia imaginar a pobre repórter que cortar mulheres era o desejo sexual escondido do delegado, e depois de tanto fazê-las passarem por isso, ele mesmo queria ter esse prazer.
Maiza vestiu-se e saiu do quarto, mas antes, deu uma ultima olhada para o delegado. O rosto dele estava profundamente feliz e exibia um largo sorriso de contentamento, como se num ultimo suspiro, ele tivesse realizado o maior desejo da sua vida.

 

   
Publicado no livro "Contos Ardentes" - Edição Especial - Janeiro de 2015