Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Rita Hipólita Giordano Amaro
São Paulo / SP

 

Amores e paixões que se perpetuam

Cenário de grandes romances, amores, desamores e ardentes relacionamentos impregnam nossa história. Essa não se trata de tragédia anunciada,nem de incandescentes romances juvenis. Passando pelo cemitério da cidade, me contaram que ali jaz a mulher que protagonizou um dos mais tórridos  episódios de louca paixão.Claro que fiquei tentada a pensar e mencionar alguns casos  famosos, mas não cheguei sequer perto de acertar.
- Estive no cemitério da Consolação no dia de finados. A sepultura da dama sobre quem me refiro estava florida, com notas de agradecimento, velas e até placas por graça alcançada.
-  Agradecimento? Então se trata de alguma santa, ou pessoa muito virtuosa!
-Dizem que, ao fim de sua vida, essa pessoa tornou-se muito caridosa,acolhia aos pobres,favorecia os alunos da Faculdade de Direito com dificuldades econômicas, muito  atuando  para ajudar aos necessitados. Também  tinha  grande prestigio social. Dizem que reunia intelectuais e políticos  em sua casa e  os recebia para  grandes e memoráveis saraus literários...
- Acho que sei quem é!  Marquesa de Santos!  Mas isso que me relata,de estar nesse nível de aceitação popular, é novidade para mim.
- Também procurei me informar,e sei, de mulheres que a procuram,pelo conteúdo de sua vida -  os grandes amores, as paixões que despertava, a posição que alcançou, o seu  prestígio... E por ela  ter conseguido um excelente, rico e apaixonado marido, que a protegia e amparava. Pode, então, já que estava bem casada e prestigiada, angariar as simpatias pela sua inteligência, dedicar-se aos filhos, às questões políticas e sociais de seu tempo, com perspicácia, bom senso e conhecimento .
           Tornou-se a protetora das damas que, por conta  dos muitos amores e suas desilusões amorosas, esperam por um aceno de esperança, de recuperação como pessoa e feliz casamento.                      
          A história  me  veio de relance à memória.  D. Pedro I, pouco antes do episódio da viagem e Independência, ao ver a bela mulher, separada do marido, atraente, bem dotada,cai,literalmente, de paixão.Dizem que foi fulminante esse desvario. A esposa,D.Carolina Josefa Leopoldina, filha do Imperador da Áustria, dedicada e responsável, fica na corte e às voltas com emissários de Portugal e suas exigências. Ele, apesar das dificuldades políticas, se lança à nova conquista  amorosa com o maior dos entusiasmos, abalando mais ainda sua imagem perante a população. Mas,isso de loucas paixões, parecia ser traço de família, ja´que no Brasil, D. Carlota Joaquina de Bourbon, sua mãe, havia deixado nas lembranças,os nada elogiaveis dos seus muitos desafetos e ate´os improváveis atribuidos relacionamentos extraconjugais - é o que se ouve, de longas datas,  que se projeta das loucuras  palacianas e  no forte traço herdado pelo filho.
        Inicia-se a tórrida  trajetória de ardente paixão que dois  filhos de portugueses,  aqui no além mar,  protagonizaram. Pedro e Domitila eram os nomes dos amantes da corte, que escandalizaram com sua imprudência e desrespeitoso relacionamento, abalando as estruturas da época. Ele, bem casado, conhecido pela infidelidade e envolvimentos em escândalos amorosos; ela,separada do marido, de quem viria depois a divorciar-se, pelo caso de agressões, se casara muito cedo, e era paulista (filha do português João de Castro e Melo e de mãe brasileira, D. Escolástica Bonifácia).    Cegos pela paixão, deixam-se dominar pelos sentimentos pessoais. A Pedro falta o equilíbrio; inebriado de amor ao insano desvario, a presenteia com muitos bens materiais e títulos, a ponto de, descaradamente, fazê-la Marquesa de Santos, da  terra dos Andradas, deportados,e  para afrontá-los. Pior ainda, a nomeia, sem mínimo pudor, dama dos passos, ou nova camarista  da Imperatriz. Isso tudo, depois de ter levado a amante para viver no Rio de Janeiro, perto do Palácio da Quinta da Boa Vista, sua residência com a família.
         Pedro vai ofercendo para a amante e aos seus familiares vários títulos; até o cunhado de Domitila passa a ser Barão de Sorocaba, sem esquecermos que a sua irmã Benedita, concebeu do Imperador  um filho (logo falecido). Isso quer dizer que os ardores do nobre faziam dele  o  infiel  incorrigível  e o obcecado  por sexo de sempre. O enlace continuaria, não  tivesse ele  ficado viúvo, com cinco filhos,  e que  por exigências, conveniências e contigências, deveria arranjar uma noiva, que se exigia fosse nobre, bela, virtuosa e culta. Estava muito difícil que alguma princesa o aceitasse, sendo ele conhecido, em toda a Europa, por seus procedimentos insensatos, sobretudo em se tratando de mulheres, e havia o conhecimento da  sua desvairada, avassaladora, tórrida  paixão por Domitila. Ele estava impopular  no Brasil e envolvido em conflitos com o irmão pelo trono de Portugal ... Assim, depois de procuras e acordos, Amélia de Leuchtenberg aceita o casamento, sabedora da exclusão da famosa  amante, entre outros itens relacionados. Sabe-se que oito princesas haviam recusado desposá-lo. D. Amélia era considerada princesa, descendente de Bonaparte por parte exclusiva de Josefina, portanto, não reconhecida como de nobre  estirpe por  nascimento. Pedro logo  fica  conquistado pela donzela, se desfaz em mesuras e determinado em assumir um feliz definitivo casamento.
        Conta-se  que nosso Pedro, rendeu-se aos encantos da jovem princesa que aqui aportou, não antes de resguardar os interesses da Marquesa, inclusive  com uma enorme providencial  mesada, ao enviá-la de volta para São Paulo.Ela casou-se com o Brigadeiro Tobias de Aguiar ,reestruturou sua vida, sendo amada, para viver sua nova e definitiva  história de paixão.  Parece que há pessoas capazes de despertar grandes laços e desenfreados, nada banais, sentimentos  alucinantes e impetuosos, que ultrapassam as barreiras da lucidez e do seu tempo. Há relatos que se perpetuam na memória coletiva, encontrando pessoas que se  emocionam e ainda buscam se envolver em seus enredos, quase  os amenizando,como se fossem doces casos de sensível enlevo, levando-lhes flores e mimos aos seus túmulos. Um consentido perdão, uma forma de afinidade com o agir imprudente, um deslumbre mediante a ousadia, que delatam o  desejo de acreditar que  tornam-se quase impunes e purificados  aos  olhos e encantos dos fãs e devotados admiradores. Sem esquecer que há o perdão pretendido, aos que praticam obras de caridade e protagonizam  uma radical  e inspiradora mudança  em suas vidas,apesar da história  em desalinho ter permanecido .

 

   
Publicado no livro "Contos Ardentes" - Edição Especial - Janeiro de 2015