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Bruno da Silva
Ilha Solteira / SP

 

Nus no parque

Sentados num banco, os dois se olhavam, entrecruzavam os semblantes serenos e cheios de amorosidade. Bobos! Sim, estavam bobos, pois a paixão eloquente os consumia, os detinha alienados, algo que só eles conseguiam explicar e, até às vezes, nem mesmo eles poderiam explicar aquilo. O amor é um sentimento inexplicável, acontece e pronto.
Continuavam sentados e formavam uma plateia ao notável crepúsculo. O parque estava calmo, não havia ninguém próximo deles, somente os dois. Ou melhor, a brisa suave e agradável não se ausentara, de vez em quando acabava drapejando os cabelos lisos de um deles, pois eram finos, delicados e cheirosos.
Continuavam sentados, e nem mesmo um inseto se mexia. Parecia que tudo tinha parado por apenas um propósito: tê-los e vê-los sobre aquela grama verde, rala e pronta para se tornar testemunha daquele efusivo amor.
Deram uma das mãos — continuavam sentados — e se olhavam obsedantemente; nada interferiria naquele olhar contagiante. Os dedos esguios de um deles tocavam as costas do outro; um arrepio o atingia. As costelas se contorciam em meio ao calor envolvente. Pronto! Estavam abraçados.
Continuavam sentados, e olhavam continuamente um para o outro; nenhuma reação impulsiva ou evasiva era tomada. Perplexos! Não acreditavam que aquilo estava acontecendo. Parecia mais um sonho... Que não deveria se esvair ao despertar.
Os pés descalços tocavam as gramíneas ásperas, fazendo-os sentir cócegas, às vezes levantavam os pés, outras, pressionavam-nos sobre a vegetação. O gostoso do momento era sentir o cheiro da natureza, onde a brisa trazia marcas da pureza, da realidade local, da vida bucólica, sertaneja, tipicamente brasileira. Maravilhoso!
A expectativa aumentava, pois após o abraço, eles tenuemente tocavam um no outro; aquilo aflorava o desejo. O desejo mais primitivo, o prazer da carne, da sedução. Os toques os envolviam, traziam ânsias, vontades, um sôfrego pelo carinho, pelo amor, pela paixão. O enternecimento estava presente, não era um simples desejo, era mais que isso, era a vontade de estar exatamente com aquela pessoa, naquele exato lugar, no presente momento. Era amor! Aliás, muito, muito amor mesmo, pois só um amor para conseguir dissipar todo o preconceito e ignorância que o bucolismo do interior trazia à condição que os dois viviam.
Continuavam sentados. Agora, mais próximos, defrontes totalmente e numa flama impetuosa. O momento os envolvia, deixava-os estarrecidos ao pensar em como a natureza era benevolente, surpreendente e amável.
Outra mão. Esta, dessa vez, tocava o rosto pálido de um deles; os traços revelavam felicidade. A boca pouco carnuda, mas saliente, ainda que, avermelhada da circulação desvairada, convidava o outro a beijá-la.
Olhavam-se como nunca haviam se olhado: mais ardência, mais amor, mais paixão, mais eloquência dos sentimentos envolvidos. Eles sabiam o que queriam, eles desejavam exatamente a mesma coisa, a reciprocidade os envolvia, e isso era o bastante para assegurar-lhes o que estava por vir.
Ainda sentados. O suor gotejava o sovaco, era o medo e a vontade da progressão daqueles atos. Era a primeira vez dos dois. Olhavam-se incessantemente. Um sorriso maroto, uma denúncia eficaz do que queriam, uma vontade desmedida, uma situação apaixonante e envolvente, a caracterização épica da paixão que os continha.
A mão na nuca foi o estopim! Aproximaram-se, aproximaram-se, aproximaram-se... Beijaram-se, beijaram-se, beijaram-se... O tronco já não se encontrava perfeitamente disposto ao banco, os movimentos labiais conduziam o corpo e a alma; já não tinham mais controle de nada. O sentimento era quem os controlava, como se apertasse um botão automático. Era assim que se sentiam, naturalmente assim que se revelavam um para o outro.
De repente, caíram na grama austera, mas que os amorteceram e, voluptuosamente, ali permaneceram. Despiram-se! Já era mais que previsível o que eles queriam, a intencionalidade era marcante e clara.
Não havia mais ninguém no parque, somente os dois. E agora, ali deitados, na sofreguidão pelo prazer carnal, nem mesmo os insetos os atrapalhavam, aquilo era a expressão do amor, deste imensurável sentimento entre eles.
O prazer os embriagou; rolaram, ficaram um sobre o outro, e assim, terminaram com a ânsia que os corroia, que os mantivera presos na câmara de gás há tempos sufocados. Uma hora ou outra aconteceria, tinha de acontecer. E aquela era a hora perfeita.
Ao final, deitados, olhavam as estrelas, o parque já fechado, a noite feita e as luzes artificiais acesas, que formavam uma penumbra suficientemente desejável. Estavam presos, unidos pelo amor, pela paixão e, agora, pelos portões encruzilhados daquele lugar. Permaneceram deitados, um do lado do outro, mesmo que a brisa rumorejava entre as árvores, estavam juntos, não sentiriam frio, nem sede, nem fome, nem medo,  muito menos tristeza; sentiriam apenas amor.

 

   
Publicado no livro "Contos Ardentes" - Edição Especial - Janeiro de 2015