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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

Era uma vez...

 

 

Um senhor, pai de dois piazitos. Tinham eles, entre 6 e 3 anos. À noite, depois das lidas diárias, enquanto a Senhora, a dona da casa, ainda trabalhava,  pois era professora e lecionava quase todas as noites, os meninos, com seu pai contador de histórias, davam asas à imaginação.
A casa era de madeira, onde moravam desde que o casal começou a morar junto depois dos atos matrimonias realizados como a sociedade exigia. Era uma casa amarela, cor de ouro envelhecida, coberta de telhas, ficava entre muitas árvores. Todas elas foram plantadas pensando no Bem Viver. A Senhora, professora de Geografia, amante da vida cuidou do ambiente, reflorestando-o. Plantou com muito carinho árvores nativas. Regou, protegeu nos invernos rigorosos. Fez da vivenda um lugar plausível para criar os filhos.
No fundo do lote, quase era ele uma chácara, havia muitos pés de bananeira, produziam uma banana saborosa, os cachos eram grandes e precisavam serem colhidos ainda verdes para amadurecer.  Essas bananeiras eram as únicas plantas além de uma guaviroveira que havia no terreno, quando este foi adquirido. E, o pé de banana precisa se cortado, pois não produz mais nem um cacho.
Cheios de imaginação, viajavam por muitos lugares. Conheciam o Brasil. Mas as conversas mais gostosas eram as de caçada. Caçavam onça pintada, sucuri e muitos outros bichos nada amigáveis.  Como netos de caçadores, tanto do lado paterno, como materno traziam no sangue de descendência italiana o de caçadores, uma sobrevivência para os tempos idos. Caçar, significava ter a carne para as refeições.
Saíam pelo pátio, nas noites escuras com uma lanterna. Na escuridão enxergavam os bichos, sentiam até a respiração deles.  Chegavam a ver a cor dos olhos, a pelagem da bicharada. Como é bom ser criança, viver o seu tempo, sem as imposições da vida adulta.
Muitas vezes, nas noites frias ou chuvosas, caçavam de dentro da cozinha mesmo.
Faziam arapucas para as caçadas. As narrativas eram maravilhosas. Os bichos nunca eram mortos, sempre capturados e, depois devolvidos a natureza. 
A sucuri, então, era uma novela. Ela vinha atrás dos ratos. Estes estavam na ratoeira, armada à noite. Uma em especial, pois o rato não podia estar morto. Era o único fato real de toda a narrativa.
O menino maiorzinho,  segurava o animalzinho capturado, ainda vivo para sucuri saborear. Ela não comia se tivesse morto, pois também é uma excelente caçadora. Chegavam escutar a famosa cobra, se arrastando por ente os pés de mandioca, plantados no lote. Perto do poço, com 22 metros, onde com uma manivela e um balde se tirava-se  a água, puxada com uma corda. No local tinha uma grama sempre verde, muito bem cuidada, uns pés de hortência,  a enorme caixa, feita de madeira, com duas tábuas de pinheiro, duas costaneiras, tinha ela, duas entradas. Ficava armada no pátio.
Na caçada, a cobra era chamada, atraída pela ratoeira. Ele, o menino de 6 anos, com a gaiola dos ratos na mão, entrava por uma das aberturas. Chegavam a sentir a cobra que nunca tinham visto, com a enorme língua de fora ao encalce do rato que ele trazia.  A sucuri faminta, pois não tinha um rio por perto, onde ela pudesse comer outro animal, vinha atrás do alimento.
Quando a cobra, entrava por uma das aberturas, o pai fechava com a tampa já própria, aquela abertura. Corria mais do que depressa para a outra saída. Quando o menino passava por ela, então ele fechava bem ligeiro essa segunda saída. Puxava com uma corda a tábua. Essa trancava a enorme arapuca  para a sucuri não fugir.
Era muita imaginação, para uma caçada sensacional.  Mas o mais importante era a confiança no pai. Esse fecharia a tranca na hora certa.
Às vezes, na caçada imaginaria, ocorriam uns tombos, umas dificuldades, sempre superadas com galhardia, eram eles excelentes caçadores. Imaginavam os mínimos detalhes. O pai como bom contador de histórias e estórias os levava a enxergar com os olhos da alma e assim relatar sempre mais deixando a aventura ainda mais interessante.
Era preciso dar um destino ao animal capturado. Não podia ser morto.
Depois no dia seguinte colocavam a caixa em cima de uma caçamba do DER, iam soltá-la no rio Chopim, distante de onde moravam, se fosse a sucuri, a prisioneira.
Na próxima noite a caçada era da onça pintada. Essa vinha no pátio, comer os pintinhos da choca carijó. Quando a caçada à onça, esta seria solta no mato. Ainda havia muitas remanescentes de araucária, ervateiras,  imbuias e outras árvores nos entorno  da cidade.
Um entretenimento entre pai e filhos que deixou boas lembranças. Hoje na vida adulta são muito mais do que pai e filhos, são amigos. Conversam muito. Criaram laços de amizades, entre eles.
Caçavam até o sono chegar. Vestiam o pijama, tomavam o seu leitinho, escovam os dentes iam dormir o sono dos anjos. Alimentados no corpo e no espírito.
Precisavam ainda como bons caçadores, cuidar do cachorrinho. Um danado, que acostumava latir por qualquer coisa. Tudo era resolvido. O Moleque, esse era o nome dado ao cãozinho, recebia um pedaço da carne e ficava sossegado. Afinal, a obrigação dele era a de latir, a de cuidar da casa.
Bons tempos. Tudo era entretimento. Convivia-se em família ao redor de um fogão a lenha. Com muito calor e também o humano.
Mais tarde, com mais um rebento continuaram a serem caçadores, conviverem com histórias imaginarias, mas muito interessantes, porém não com a mesma intensidade.
A cidade cresceu, a bicharada já ficava bem mais distante. Ele, o Moleque, mais crescido, também responsável para que não mais se tivesse boas caçadas, afugentava os bichos noturnos que rodeavam a bela vivenda.
A sucuri não podia atravessar o asfalto. A onça pintada não gostava de tanta iluminação. O barulho dos carros a incomodava.
Ficou a saudade, do bom convívio, entre um pai amoroso e seus meninos. Depois do trabalho, ainda tinham tempo de caçar.

 

 
 
Conto publicado no "Livro de Ouro do Conto Brasileiro" - Novembro de 2016