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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

O Senhor Coronel

Lá nos tempos idos, quando os coronéis mandavam e desmandavam, sem importar-se com os sentimentos dos outros, aconteceu. . .
Numa fazenda perdida nos confins do Brasil morava um rico senhor com a família, a peonada e uma afilhada especial, moça linda, a menina dos olhos do fazendeiro. Ele apesar de ser em tempos idos, não tendo nem uma filha mulher, amava essa menina. Não escondia de ninguém a sua predileção.
De vez em quando se dirigiam para a vilazinha, onde mandava o Coronel das Botas Pretas. Ele reinava absoluto. Não havia moça bonita que não tivesse que passar noites, com o dito cujo, ao seu bel prazer.
Na fazenda do seu Olímpio sabiam das façanhas do garanhão. Como a afilhada estava prometida em casamento para o filho do seu Ataliba, fazendeiro famoso, com enorme sesmaria de terra, lá pelas Bandas do Uruguai. A vida seguia seu rumo sem grandes preocupações.
A Maria Rosa precisava ir ao vilarejo comprar uns mimos para o seu enxoval. Foi com a madrinha e dois capatazes. Eles encilharam os cavalos com os arreios mais bonitos. Os apetrechos tinham sido espanados e lustrados. A prata brilhava mesmo no escuro. Era a indumentária para mostrar o poderio do fazendeiro Athagilba. O chicote tina o cabo de prata e o coro de onça preta.
A madrinha, Maria Rosa foram com a aranha, também ornamentada, esbanjando brilho. O banco de veludo italiano. Era mais confortável do que usar o selim.
Quando os olheiros do Coronel viram tamanha beldade, foram logo avisar: está chegando uma moça, mais bonita e esplendorosa que uma noite de luar. Mas parece ser de uma fazenda com poderes pelo estilo da comitiva.
- Não olharam a marca nos animais?? Perguntou o senhor insaciável.
- Ainda não, o poncho que usam, está cobrindo a marca da Fazenda.
Logo ficou sabendo quem era a moça de formosura impar. Os cabelos negros, compridos, encaracolados, olhos verde. Lábios bem delineados e vermelhos, pareciam os de Iracema.
O Fazendeiro, padrinho, não era de muitas conversas, gostava mesmo da Paz da fazenda. Era ele afilhado do Conselheiro da Corte de D. Pedro II. Homem de importância política relevante, embora fosse pacato e, não gostasse de exibicionismo.
Assim mesmo, o Coronel Botas Pretas foi até a casa do Chefe de Polícia , o seu Leopoldino Graciliano, onde a comitiva estava hospedada. Foi convidado para o almoço, mas disfarçou, queria mesmo saber quem era a formosura e, se deleitar, com tanta beleza.
A paixão animalesca explodiu, quando foi apresentado a Maria.Rosa Mas era preciso se conter. Não era uma moça qualquer.
Depois das compras realizadas e, tantas outras encomendas feitas ao proprietário da Venda, esse ao mascate, o qual fazia compras, até de além mar. Mercadorias vindas do Reino, especiais. O dono da Venda prometeu conseguir junto aos vendedores colchas, toalhas, cortinas. Ainda alguns lençóis trazidas de Minas Gerais, do Ceará, peças bordadas, com crivo, famosas, bonitas. Essas preciosidades eram para as famílias da Corte. Iria usar a influência do Padrinho do Fazendeiro.
Quando retornavam, Maria Rosa comentou:
- Aquele homem que me foi apresentado, eu não gostei nada dele. Quando a sua mão segurou a minha parecia que queimava. Ele custou a soltar a sua mão. O olhar dele parece de um Alce.
- Onde você viu um Alce?
- Não vi madrinha. Mas li histórias. Fora alfabetizada com um professor que veio morar algum tempo, na fazenda.
A madrinha Izabel chegou a comentar com o marido que o Coronel soltava faíscas pelas Ventas. Disse ele:
– Ainda bem que Maria Rosa está bem guardada. Ela gosta muito do noivo, pois esse Coronel é tinhoso. O fato caiu no esquecimento. Não, porém para o Coronel Botas Pretas.
O Coronel disfarçou-se de peão, foi para fazenda. Dizendo-se interessado em conhecer o monjolo, com o soque de Erva-mate, conseguiu entrar. Homem matreiro dominou logo o local. Fez amizade com os cachorros. Levou uns torresmos no bolso, foi distribuindo, enquanto caminhava. O Capataz achou estranhas algumas atitudes. Até comentou com seu Athagilba. Passado apenas dois dias, Maria Rosa que fora buscar a quirera no monjolo, voltou correndo pra casa. Quase sem conseguir falar, relatou que enquanto recolhia a quirera, viu a sombra de um vulto que jogou sobre ela uma capa preta. O padrinho achou que ela se assustou por nada. Devia ser a sombra de um pássaro preto. Um urubu maior, talvez.
Assim mesmo chamou o capataz, mandou vigiar as entradas da Fazenda. Viram eles também um vulto de capa preta, rondando os arredores, mas não passou pela cerca de taipa que delimitava a fazenda.
Uma tarde de Marcação, quando entra muitas pessoas no potreiro, nos mangueirões, Rosa Maria, afirmou ter visto o mesmo vulto que lá no Monjolo jogara a capa por cima dela.
Deram-lhe um chá, coloquem-na para dormir. Disse a Madrinha:
- Essa menina está delirando. Anda nervosa com a proximidade do casamento.
Passaram-se mais uns dias sem novidade. Uma tarde de chuva, uma garoa fina e fria, foi preciso mandar os homens para o campo. Algumas rezes estavam desaparecidas. Umas três tinham parido, os bezerros não foram encontrados. Ficou a fazenda sem vigias. A peonada estava toda no trabalho. O padrinho havia caído e machucado uma perna. Assim estava no quarto em repouso. Com o tempo propicio, dormia.
Quando as mulheres nos seus afazeres na cozinha, outras no galpão, desfiando palha para os colchões, ainda escolhendo as melhores palhas para aos palheiros dos homens , ouviram um grito alucinante. Maria Rosa. desesperada pedia por socorro.
O padrinho Athagilba de imediato pulou da cama, com o revólver em punho, atirou num vulto de capa preta que corria com a moça nos ombros. Atirou, tentando desviar da menina. Ele ferido, largou Maria Rosa, fugiu cambaleando. Os cachorros não latiram, nem atacaram.
As mulheres foram socorrer Maria Rosa e a criatura desapareceu a galope montada num bonito Alazão que estava esperando na porteira..
Ela afirmou, era ele outra vez. Quando à tardinha chegou à peonada foi posta ao alcance da criatura. Só encontraram o rastro de sangue. Atrás de uma moita de aroeira, uma capa preta.
Na vila correu logo a noticia, o Coronel Botas Preta foi baleado. Não se sabe por quem.
Ele passou muito mal, depois de três dias de penúria, morreu. Na fazenda, o padrinho entendeu o ocorrido.
- É um desalmado. Quase me rouba flor mais preciosa que tenho.
Maria Rosa levou muito tempo para se recuperar. As visitas do noivo foram mais seguidas.
Casou-se, foi morar lá pelas bandas do Uruguai, tentando esquecer a malvadeza, só por ser ela bonita, não ter sido graça para o Coronel, foi machucada. Nos braços do marido amoroso foi amenizando as perturbações.
Agora era a peonada que andava assustada. Nas noites escuras ouviam uivos, gritos de dor, lá por detrás das Coxilhas. Nas noites de Lua Cheia chegavam a enxergar um vulto de Capa Preta galopando e soltando gargalhadas estridentes.
Acabou-se o sossego. Chamaram os rezadores da região. Até o padre veio celebrar uma Missa na fazenda.
O Lobisomem como fora chamado, de vez em quando aparecia. Assustava a todos. Muito intrigante era que os cachorros não reagiam. Dormiam pacificamente. Afirmavam os que enxergavam a criatura, que ela usava Botas Pretas.


   
Publicado no livro "Contos de Coronéis (ou) Lobisomens" - Edição Especial - Maio de 2014