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Márcia Ayres Dugo
São Bernardo do Campo / SP

 

Canto da mata

Um dia você acorda e vê que você não é você... Encara o espelho e diz:
- E aí, o que você “tá” fazendo aí do outro lado?
Nenhuma resposta...
Tenta novamente:
- De onde veio e pra onde vai?
Nada...
Resolve relaxar e pensa:
A água mansamente derrete o gelo...
A partir deste instante era sempre assim,
Todas as vezes que resolvia não pensar em nada pegava uma pedra de gelo e vagarosamente deixava um filete de água escorregar por ela... E obsevava...
Não se sabe por quanto tempo ali ficava, mas nada lhe chamava mais a atenção! Até este dia em que algo inusitado o levou, girou em busca de um som que não conseguia identificar, localizar, definir...
- O que é isso?
Perguntou-se enquanto a água e o gelo agora deslizavam em seu corpo.
Quase autômato ergueu-se, notoriamente intrigado e contrariado.
Saiu porta afora, tentando localizar o motivo que tanto despertara a sua atenção, mas qual, nada, além do escuro da noite... Nem ao menos uma estrela.
Novamente o som gemeu, só que desta vez parecia mais alto e os seus pensamentos ficaram eletrizados. Respirava bem baixinho temendo afugentar o tal som, ou ser percebido.
Doce ilusão...
O som não mais gemia, gritava, gargalhava... E quando ele pensou retornar pra casa suas pernas paralisadas se encontravam...
...Tentou gritar, mas a voz não saía.
Um buraco começou a surgir embaixo dos seus pés e ele foi afundando... Afundando...
Parecia hipnotizado, congelado, amarrado... Qualquer coisa, menos vivo.
Quando todo o seu corpo se encontrava num imenso buraco, olhou para o alto e viu uma luz, pensou:
“Deus me ajude.”
A luz vinha de uma lanterna.
- Moço, como foi parar nisso?
Desta vez conseguiu responder:
- Caminhava por aí e caí, pode me ajudar?
- O buraco é fundo, vou pedir mais ajuda...
Após algum tempo ele foi retirado dali.
Continuou ouvindo o mesmo som, só que agora passou a ouvir como se ouve uma oração...
A temer como tememos o famigerado mal...
A respeitar sua vontade de “gemer” no escuro da mata, pensando:
“Talvez seja o vento enamorado por algo que tocou e deseja a privacidade para amar...”.
“Talvez minh’alma tenha abandonado o meu corpo quando lá fora estive para com o vento bailar...”.
“... Até hoje não sei o que a fez retornar, mas sei que não quero experiência semelhante”.
Não mais foi procurar, pois entendeu que ele não quer ser encontrado.
Foi pensando nisto que, naquela noite fatídica, adormeceu...
Foram dias, meses e ele não acordava...
Sua saúde?
Os médicos nada diagnosticavam muito pelo contrário, tudo em ordem...
Sua família não sabia mais o que fazer, pois o único som emanado por ele eram sussurros, assobios, gritos e gargalhadas...
Pensavam louco estar
E é claro que louco estava, mas e daí?
Que importa o tamanho da loucura quando perdidos nos encontramos em dimensões desconhecidas para tantos, muitos, todos...
Se ele acordou?
...
E você?


   
Publicado no livro "Contos de Coronéis (ou) Lobisomens" - Edição Especial - Maio de 2014