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Rafael Ferreira da Silva
São Paulo / SP

 

A chance


Os adolescentes Tércio e Luciano se conheciam desde pequenos. Moravam próximos, estudavam na mesma escola e tinham os mesmos amigos. Eram tão próximos que quando um decidiu trabalhar o outro fez o que pode para conseguir uma vaga no mesmo lugar como mensageiro.
Um dia aconteceu de fazerem trabalhos externos juntos. Como tinham afinidade, houve mútua cooperação e as tarefas acabaram concluídas com êxito bem antes do programado. Sabendo que se voltassem para empresa cedo receberiam novas tarefas para aquele dia, decidiram matar tempo no Shopping Center existente no bairro.
Depois de mais de uma hora zanzando pelo Shopping Center e ainda com tempo sobrando, Luciano sugeriu para Tércio:
- O que você acha de roubarmos algumas coisinhas no supermercado? O pessoal da rua disse que é moleza!
Receoso, Tércio resistiu à ideia:
- Sei não. Vai que nos pegam!
Luciano insistiu:
- Deixa de ser bundão! Todo mundo faz isso e nunca deu problema. Só nós dois estamos pagando por coisas que a galera consegue de graça.
No final a dupla decidiu se arriscar.
Realmente furtar naquele supermercado parecia fácil. Nenhum sinal de câmeras de vigilância, poucos funcionários e vários pontos escondidos para ajeitar os itens escolhidos dentro das calças e dos casacos.
Os malandrões, que no início da empreitada criminosa pareciam cabos de vassoura vestidos, saíram do supermercado recheados e confiantes. Tinha sido tão fácil que já planejavam o retorno no futuro.
Caminhando para a saída, mas ainda no estacionamento do supermercado, um rapaz que aparentava a mesma idade dos espertões se aproximou e disse:
- Poxa, vocês fizeram a festa! E se eu os dedurasse para a segurança.
Embora assustado, Luciano sussurrou:
- Ei, fala baixo! Não precisa disso não. A gente pode dividir.
O candidato a delator sorriu e gritou olhando um pouco atrás de onde estava a dupla:
- Vocês viram isso? O cara está tentando me subornar!
Tércio e Luciano estavam cercados por seguranças do supermercado e não tinham como fugir. Foram conduzidos até um senhor grisalho, aparentemente chefe da segurança, que determinou que colocassem sobre a mesa tudo o que tivessem surrupiado. Chocolates, balas, salgadinhos, CDs, pilhas e camisinhas encheram o espaço indicado, enquanto o senhor grisalho balançava a cabeça em tom de reprovação.
Após terminarem de devolver o que haviam furtado, Tércio e Luciano foram trancados em uma sala sem janelas, abafada e mal iluminada, onde, segundo os seguranças, aguardariam a chegada da polícia.
Com os olhos arregalados, batimento cardíaco acelerado e sudorese intensa, os fracassados gatunos viviam a angústia da espera e o desenrolar das consequências da péssima ideia levada a cabo.
O tempo parecia se arrastar.
De repente, a porta abre e um segurança entra para pegar alguma coisa no armário que havia na sala. Antes de sair o referido segurança olhou para os rapazes e escarneceu:
- Vocês são menores de idade, não é mesmo? Então vão parar em uma instituição correcional. Com esse físico de chassi de grilo acabarão como mocinhas dos malandros que estão presos lá.
O desespero da dupla aumentou. Luciano, que gostava de fazer troça com a irmã que era crente, tinha se ajoelhado, juntou as mãos e rezava. Tércio chorava compulsivamente.
Pouco depois a porta abriu novamente e todos os seguranças com quem tinham tido contato entraram. Com cara de poucos amigos, o senhor grisalho olhou feio para os gatunos fracassados e disse:
- O carro da polícia chegou cheio de marginais e só tem lugar para mais um. Decidimos que vocês terão que disputar um braço de ferro. O derrotado acompanha a polícia e deixamos o vencedor ir embora.
Embora perplexos com a situação, os amigos concluíram que aquela era oportunidade de um deles se livrarem da enrascada que se meteram e não tiveram dúvidas em aceitar a oferta.
O medo aumentou a força dos dois frangotes. Quando um conseguia empurrar a mão do outro perto da mesa, uma reação improvável ocorria e o equilíbrio se restabelecia. Porém, quando ambos já estavam esgotados, Tércio conseguiu superar o momento de fraqueza e venceu a disputa.
Logo após a derrota Luciano começou a tremer e implorar por clemência, enquanto Tércio desfrutava de uma sensação de alívio que jamais havia experimentado, embora estivesse arrasado pelo futuro reservado ao amigo.
Os seguranças davam gargalhadas, exceto pelo senhor de cabelo grisalho que se aproximou e disse:
- Não tem nenhum carro de polícia lá fora! Embora vocês sejam dois imbecis, decidi dar uma chance para que pensem na bobagem que fizeram. Espero que tenham aprendido a lição e que nunca mais voltem a fazer algo parecido. Sumam daqui! Nunca mais quero vê-los neste supermercado.
Os amigos voltaram em silêncio para o trabalho e jamais falaram sobre o que aconteceu naquela tarde.
Meses depois Luciano mudou para outro bairro e pediu demissão da empresa. Não partilhavam mais o mesmo círculo de amizades e aos poucos foram se distanciando até perderem contato.
Anos depois, Tércio, então Promotor Público, ao examinar um inquérito policial, lembrou daquela fatídica tarde e começou a chorar. Nos autos do processo constava que Luciano havia sido morto no acerto de contas de uma quadrilha de ladrões de banco.
Um aproveitou a chance, infelizmente o outro não.


   
Poema publicado no livro "Contos Livres" - Edição Especial 2014 - Setembro de 2014