João
Francisco Lins Maciel Borges
Belém / PA
A infidelidade
Julgava-se o cara, o galã. Mulher alguma resistia aos seus
galanteios. Só ele era capaz de atrair a atenção
de todos em uma roda. Não sobrava pra ninguém. Era,
enfim, o tal. Todavia, não passava de um tremendo bravateador.
Os barzinhos de fins de semana eram o palco do espetáculo
de suas fanfarrices. Eis, em rápidas pinceladas, o perfil
de quarentão Marcelo, o personagem-chave deste conto.
E foi exatamente em um final de semana que tudo começou.
Marcelo, como penetra, ingressou no clube mais grã-fino
da cidade. Com toda pose, o bicão pediu uma garrafa do
mais conceituado escocês e começou a bebericar. Mesmo
sem conhecer os sócios do clube, cumprimentava a todos
e convidava os mais elegantemente trajados a se amesendarem com
ele. Queria se mostrar, claro. Em pouco tempo, já contava
vantagens a três jovens que aceitaram fazer companhia a
ele.
Algum tempo depois, acompanhada de seus pais, chegou uma linda
mocinha, ocupando a mesa ao lado da que estavam Marcelo e seus
convidados. Para chamar a atenção da jovem, o pretenso
galã começou a contar vantagem em voz alta. Não
se conformando, foi dançar com ela.
- Você é linda! Como se chama esta joia rara? –
assim iniciou o diálogo na maior caradura.
- Obrigada pelo elogio. Sou Laura. E o seu?
- Meu nome é Marcelo, tão galã como o xará
Mastroianni.
- Você faz o quê?
- Seduzo as mulheres.
- Eu perguntei a sua profissão!
- Oh, desculpe! Atuo no ramo da construção civil.
E você?
- Eu curso o penúltimo ano de direito. Quero ser magistrada.
- Parabéns, uma juíza na família não
é nada mal.
- Você tem namorada? - perguntou a jovem, parecendo interessada
no cavalheiro.
- Até ontem, sim. Mas mandei vazar, pois sabia que iria
encontrar você.
- Obrigada, mas assim fico envergonhada.
- E você, minha fada?
- Eu me apaixonei perdidamente por um colega de colégio
quando tinha onze anos de idade. Ele tinha treze. Namoramos escondidos
dos meus pais por quatro anos. Para nossa idade, foi um namoro
cálido. Decepcionei-me quando soube que ele me traiu com
a minha melhor amiga, só porque eu não quis...,
deixa pra lá! A partir daí, só assumi namoriscos
sem compromissos.
- Quantos anos você tem, Laura?
- Vinte e dois.
Dançaram o resto da música de corpos e rostos colados.
Marcelo entregou a Laura seu cartão de visita, e, de mãos
dadas, levou-a até sua mesa, dirigindo cumprimentos respeitosos
aos pais dela.
Laura era filha única de uma família abastada. Seus
pais Oswaldo e Lorena, engenheiros civis, possuíam uma
empresa de construção civil muito conceituada. Criada
com todo amor e carinho, Laura tinha tudo que precisava e queria.
Centrada e bastante estudiosa, cursava direito e falava fluentemente
inglês e francês. Nos fins de semana, seus pais a
levavam ao clube, onde dançava e se divertia como toda
jovem de sua idade.
Chegando a casa, Laura falou sobre Marcelo aos seus pais, que
também tiveram boa impressão dele. Todos o acharam
educado e respeitador. Laura se interessou por Marcelo e gostaria
de conhecê-lo melhor. Teve todo o incentivo dos pais. Coincidentemente,
a empresa estava necessitando de um técnico em construção
civil, profissão de Marcelo, como constava no seu cartão
de visita.
Laura telefonou para Marcelo, convidando-o para um jantar íntimo
em sua bela mansão. Como também estava a fim de
se enrabichar por ela e lhe aplicar o famoso golpe do baú,
confirmou na hora sua presença no ágape.
Com sua lábia aguçada, Marcelo impressionou Laura
e seus genitores, a ponto de sair do jantar namorando a jovem
e já admitido como empregado na firma de construção.
De fato, Marcelo tirou o curso de técnico em edificações,
embora para alguns, dependendo da ocasião, intitulava-se
engenheiro civil pós-graduado em cálculo estrutural.
Marcelo namorou, noivou e se casou como todo bom cidadão.
Apesar de o regime de casamento ter sido de separação
total de bens, não se abalou com tal circunstância.
Seus planos eram tão mirabolantes que este regime de bens
não atrapalharia seu intento de se locupletar com aquela
fortuna à sua disposição. Ganhou de presente
de casamento dos sogros um automóvel importado.
Marcelo passou a morar na mansão da esposa. Assumiu o casório
numa boa. Era da casa para o emprego e vice-versa. Laura, por
sua vez, de dia redigia sua monografia de término de curso
e à noite frequentava a faculdade. À tarde, sempre
que podia, fazia uma visita surpresa na empresa, levando um mimo
para o marido.
A confiança que Marcelo ganhou dos sogros era tanta que
logo foi guindado a sócio solidário da empresa,
com o cargo de diretor-financeiro, embora nada entendesse de finanças.
Incontinente, abriu uma conta bancária paralela em seu
nome, onde depositava quantias vultosas.
Como tinha uma procuração pública com poderes
para gerir a fortuna de Laura e dos sogros, Marcelo conseguiu,
sem que seus outorgantes soubessem, transferir a mansão
da família para seu nome.
Agora, Marcelo só queria fragilizar a família com
a separação dos sogros e dar um chute no traseiro
de Laura para coroar com êxito o golpe do baú. Sabia
do caso de Oswaldo com uma corretora de imóveis e onde
e quando se encontravam. Nesta noite rumou para o motel. Lá
chegando, vendo o carro do sogro estacionado na garagem da suíte
presidencial, arranhou a lataria e pintou no capô a frase
"Lorena, sua chifruda imunda!".
Pela manhã, chegou à empresa um oficial de justiça
penhorando os bens da firma, bloqueando as contas bancárias
de todos os sócios, inclusive a de Marcelo, e o leilão
da mansão para pagar os credores da firma já em
processo de falência.
Nervoso, Oswaldo gritou:
- Porra, agora é o oficial de justiça. Ontem à
noite, emprestei meu carro para Laura ir à faculdade e
vejam o que fizeram nele.
Final da história: todos na merda por culpa de Marcelo,
menos Laura que, prevendo o final, há muito chifrava o
maridão com um industrial riquíssimo. O tiro saiu
pela culatra.
...
"Infidelidade conjugal é defecar plantando bananeira.
Começa e termina na boca". (Kiko Arquer)
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