Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

João Francisco Lins Maciel Borges
Belém / PA

 

A infidelidade


Julgava-se o cara, o galã. Mulher alguma resistia aos seus galanteios. Só ele era capaz de atrair a atenção de todos em uma roda. Não sobrava pra ninguém. Era, enfim, o tal. Todavia, não passava de um tremendo bravateador. Os barzinhos de fins de semana eram o palco do espetáculo de suas fanfarrices. Eis, em rápidas pinceladas, o perfil de quarentão Marcelo, o personagem-chave deste conto.
E foi exatamente em um final de semana que tudo começou. Marcelo, como penetra, ingressou no clube mais grã-fino da cidade. Com toda pose, o bicão pediu uma garrafa do mais conceituado escocês e começou a bebericar. Mesmo sem conhecer os sócios do clube, cumprimentava a todos e convidava os mais elegantemente trajados a se amesendarem com ele. Queria se mostrar, claro. Em pouco tempo, já contava vantagens a três jovens que aceitaram fazer companhia a ele.
Algum tempo depois, acompanhada de seus pais, chegou uma linda mocinha, ocupando a mesa ao lado da que estavam Marcelo e seus convidados. Para chamar a atenção da jovem, o pretenso galã começou a contar vantagem em voz alta. Não se conformando, foi dançar com ela.
- Você é linda! Como se chama esta joia rara? – assim iniciou o diálogo na maior caradura.
- Obrigada pelo elogio. Sou Laura. E o seu?
- Meu nome é Marcelo, tão galã como o xará Mastroianni.
- Você faz o quê?
- Seduzo as mulheres.
- Eu perguntei a sua profissão!
- Oh, desculpe! Atuo no ramo da construção civil. E você?
- Eu curso o penúltimo ano de direito. Quero ser magistrada.
- Parabéns, uma juíza na família não é nada mal.
- Você tem namorada? - perguntou a jovem, parecendo interessada no cavalheiro.
- Até ontem, sim. Mas mandei vazar, pois sabia que iria encontrar você.
- Obrigada, mas assim fico envergonhada.
- E você, minha fada?
- Eu me apaixonei perdidamente por um colega de colégio quando tinha onze anos de idade. Ele tinha treze. Namoramos escondidos dos meus pais por quatro anos. Para nossa idade, foi um namoro cálido. Decepcionei-me quando soube que ele me traiu com a minha melhor amiga, só porque eu não quis..., deixa pra lá! A partir daí, só assumi namoriscos sem compromissos.
- Quantos anos você tem, Laura?
- Vinte e dois.
Dançaram o resto da música de corpos e rostos colados. Marcelo entregou a Laura seu cartão de visita, e, de mãos dadas, levou-a até sua mesa, dirigindo cumprimentos respeitosos aos pais dela.
Laura era filha única de uma família abastada. Seus pais Oswaldo e Lorena, engenheiros civis, possuíam uma empresa de construção civil muito conceituada. Criada com todo amor e carinho, Laura tinha tudo que precisava e queria. Centrada e bastante estudiosa, cursava direito e falava fluentemente inglês e francês. Nos fins de semana, seus pais a levavam ao clube, onde dançava e se divertia como toda jovem de sua idade.
Chegando a casa, Laura falou sobre Marcelo aos seus pais, que também tiveram boa impressão dele. Todos o acharam educado e respeitador. Laura se interessou por Marcelo e gostaria de conhecê-lo melhor. Teve todo o incentivo dos pais. Coincidentemente, a empresa estava necessitando de um técnico em construção civil, profissão de Marcelo, como constava no seu cartão de visita.
Laura telefonou para Marcelo, convidando-o para um jantar íntimo em sua bela mansão. Como também estava a fim de se enrabichar por ela e lhe aplicar o famoso golpe do baú, confirmou na hora sua presença no ágape.
Com sua lábia aguçada, Marcelo impressionou Laura e seus genitores, a ponto de sair do jantar namorando a jovem e já admitido como empregado na firma de construção.
De fato, Marcelo tirou o curso de técnico em edificações, embora para alguns, dependendo da ocasião, intitulava-se engenheiro civil pós-graduado em cálculo estrutural.
Marcelo namorou, noivou e se casou como todo bom cidadão. Apesar de o regime de casamento ter sido de separação total de bens, não se abalou com tal circunstância. Seus planos eram tão mirabolantes que este regime de bens não atrapalharia seu intento de se locupletar com aquela fortuna à sua disposição. Ganhou de presente de casamento dos sogros um automóvel importado.
Marcelo passou a morar na mansão da esposa. Assumiu o casório numa boa. Era da casa para o emprego e vice-versa. Laura, por sua vez, de dia redigia sua monografia de término de curso e à noite frequentava a faculdade. À tarde, sempre que podia, fazia uma visita surpresa na empresa, levando um mimo para o marido.
A confiança que Marcelo ganhou dos sogros era tanta que logo foi guindado a sócio solidário da empresa, com o cargo de diretor-financeiro, embora nada entendesse de finanças. Incontinente, abriu uma conta bancária paralela em seu nome, onde depositava quantias vultosas.
Como tinha uma procuração pública com poderes para gerir a fortuna de Laura e dos sogros, Marcelo conseguiu, sem que seus outorgantes soubessem, transferir a mansão da família para seu nome.
Agora, Marcelo só queria fragilizar a família com a separação dos sogros e dar um chute no traseiro de Laura para coroar com êxito o golpe do baú. Sabia do caso de Oswaldo com uma corretora de imóveis e onde e quando se encontravam. Nesta noite rumou para o motel. Lá chegando, vendo o carro do sogro estacionado na garagem da suíte presidencial, arranhou a lataria e pintou no capô a frase "Lorena, sua chifruda imunda!".
Pela manhã, chegou à empresa um oficial de justiça penhorando os bens da firma, bloqueando as contas bancárias de todos os sócios, inclusive a de Marcelo, e o leilão da mansão para pagar os credores da firma já em processo de falência.
Nervoso, Oswaldo gritou:
- Porra, agora é o oficial de justiça. Ontem à noite, emprestei meu carro para Laura ir à faculdade e vejam o que fizeram nele.
Final da história: todos na merda por culpa de Marcelo, menos Laura que, prevendo o final, há muito chifrava o maridão com um industrial riquíssimo. O tiro saiu pela culatra.

...
"Infidelidade conjugal é defecar plantando bananeira. Começa e termina na boca". (Kiko Arquer)


   
Poema publicado no livro "Contos Livres" - Edição Especial 2014 - Setembro de 2014