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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

O Nono Luigi


O nono andava muito triste. Fazia tempo que estava calado, não sorria. Preferia estar sozinho. Andava preocupando a família. Um dia amanheceu cantarolando: El vecio Trivelin. Até assobio. Foi dar ração para os passarinhos. Passou pela cozinha, com a cuia do Chimarrão foi para a varanda. As crianças vieram correndo. Sentaram-se nas cadeiras de balança cobertas com os pelegos, ainda estava frio. Como sempre brigaram para disputar a rede.
O Nono Luigi então falou:
- Esta noite sonhei com a mia Bella Italia. Foi muito bom. Estávamos em casa depois de ter ordenhado a nossa única vaquinha, ela tinha pouco leite. A gente não tinha feno, nem milho. Sentamos para jantar, rezamos para a Madonna nos proteger. A janta foi repartida, éramos muitos, o alimento nem tanto. Conversamos bastante. Alguns estavam ansiosos, iriam partir para uma terra distante, além Mar. Depois, mandariam dinheiro para os outros viajarem. Não sabíamos como iria ser. Contavam que era muito bonita. A vida era bem mais fácil. Havia bastante água, bem limpinha. Quase tudo estava para ser desbravado. Cantamos o Hino da Itália. Ajoelhamos-nos para rezar o Terço. Depois pedimos a benção aos mais idosos, fomos dormir.
Mal os primeiros sinais do clarão do dia deram as caras por detrás dos montes, nos levantamos. Ouvi os pássaros cantarem, acho que em italiano, ao menos foi assim que escutei. Despedi-me das últimas estrelas. Olhei para elas, conversei. Falei da minha angustia. Os meus desejos. Sentei no banco de pedra, perto da roseira. Na janela, as flores ainda, viçosas estavam se despedindo do calorzinho de outono. O pé de trepadeira plantado pela minha nona tinha algumas flores brancas, outras cor-de-rosa.
Senti um vazio no peito. Respirei profundamente. A golfada do ar da minha pátria, entrou em mim Foi abrindo caminho. Parecia a primeira respiração do recém nascido. Doeu, doeu muito. Ouvi o galo cantando longe. Nós tínhamos matado o último, para fazer um almoço de despedida.
Pensei:
- Que triste vida. Não se ter nem o que comer. É não é por preguiça. São as adversidades da existência a nos sufocar. Fiquei olhando longe. Até a vista cansar. Resolvi levantar-me, caminhar pela muralha. Como na nova terra tem muito mato não deve existir essas construções. Caminhei muito, o Sol já estava alto. Subi na guarita, lembrando como se brincava no tempo de criança. Olhei para muito longe. A paisagem me comoveu, parecia a primeira vez que avistava. Muitos morros. Gente circulando. Pessoas vestidas com roupa escura. O andar cansado. Pareciam desanimadas. O peso da desolação sufocando. Só os meninos, pulavam na frente dos demais.
- Credo nono, para que se lembrar dessas coisas tristes.
- Não estou lembrado. Estou contando, o sonho que tive. Apesar de tudo, me fez muito bem. Fiquei feliz, em poder rever a minha terra. Conto para vocês em detalhes, como era minha Pátria.
- Devia ser bem bonita, para sentir tanta saudade. Por que você e a nona vieram embora?
A gente não tinha condições de trabalho. Havia muita miséria. Muitas lutas, guerras. Um povo sofrido em busca de novas oportunidades. Também havia a propaganda do Governo do Brasil, a famosa cuccagna. O próprio governo italiano queria se ver livre do seu povo desempregado.
Era o último dia. O almoço foi mais caprichado. Cantamos até a meia tarde, la bella violeta, Monte Grappa, quel mazzolin di Fiori, Santa Lucia. Depois fomos à Igreja. Lá tinham se casado os bisas, os nonos, o batizado dos filhos. Participávamos da Missa todos os Domingos. O padre fez uma Celebração, comungamos. Ele nos abençoou. Quase em silêncio voltamos. Despedimos-nos de quem encontrávamos. Foi à última noite na minha cama.
Muito cedo, com os nossos pertences, fomos para o porto de Gênova. O coração apertado, me despedi de Motta Baluffi. Colhi um ramo de Oliveira. Tenho até hoje comigo. Caminhamos um bom trecho a pé, depois embarcamos no trem. Na janela, continuei me despedindo.
Eu não conhecia o Mar. Fiquei deslumbrado. Fomos avisados de que era preciso cuidar se não seríamos roubados. Aguardamos um dia inteiro. À tardinha embarcamos no navio. Era muito grande. Puxaram a escada. Ouvi um apito, dando o sinal da partida.
Então acordei. . . O nono chorou. Nós o abraçamos.


   
Poema publicado no livro "Contos Livres" - Edição Especial 2014 - Setembro de 2014