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Sergio Tavares
Maceió / AL

 

Tarde demais



Ao preparar as malas para partir, ele já sabia da decisão de Amélia, mas mesmo assim, fez questão de perguntar várias vezes se ela tinha certeza de que não queria acompanhá-lo, e a resposta era sempre a mesma, para sua decepção. Não! Ela não queria e, já estava decidida. Saulo podia seguir tranquilo, sem ela, que ficaria ao lado da mãe já idosa. E esta não era a primeira vez que se separavam por motivos de viagem, porém dessa vez Saulo sentia algo estranho, mas mesmo tendo dúvidas se ela ainda o amava, ele prometeu que voltaria depois de dois anos.
Saulo seguiu em frente, pois não adiantava mais continuar lutando por algo que já não acreditava. Sua vida mais uma vez estava se transformando, sem que ele tivesse como mudar o rumo. Era uma verdadeira "roda-viva", como a música do Chico Buarque, que ele cantarolava mentalmente. E assim, nos primeiros meses, Saulo se sentiu muito solitário na nova sede onde estava trabalhando em Belém do Pará e, nesses momentos angustiantes, lembrava-se de sua mãe, e da distância fatídica que o separou dela e de todas as pessoas que amava. Mas não era essa viagem de agora, motivada pelo trabalho que o atormentava, mas a viagem da vida, sem causas aparentes, que nos leva para longe de quem amamos sem percebermos.
Acordava às vezes no meio da noite procurando uma resposta para suas indagações, mas não encontrava, e sentia no peito um enorme aperto. Algo o afastou de todos, e atribuía ao destino a sua sina, achava que o defeito era dele. Percebia-se frio, sem sentimentos, mas ao mesmo tenho era ilógico este raciocício, pois sofria muito por suas ações, e por mais que tentasse, havia algo dentro dele que o afastava de todos, mesmo com sua resistência.
Lembrou-se de quando levou sua mãe ao médico para um check up, há alguns anos, e o oftalmologista o chamou para uma sala reservada e lhe disse: - infelizmente sua mãe tem uma doença degenerativa nos olhos, e vai perder a visão até ficar cega.
Esta notícia caiu como uma bomba na vontade de lutar para sua mãe recuperar a visão e sentirem-se felizes novamente, mas pareciam fadados a infelicidade. Ele acreditava ainda na esperança, mas pelo visto, somente um milagre poderia ajudá-la, e rezar era algo que ele não estava acostumado a fazer, mas mesmo assim não descartou a possibilidade, e pacientemente rezou esperançoso.
Com o passar dos anos ela foi perdendo a visão, e Saulo se viu cada vez mais impotente, diante do inevitável, da cegueira total que logo chegou, e fez sua mãe ficar totalmente perdida no mundo da escuridão, das paredes sem sentido e intermináveis, das portas inexistentes e sempre trancadas, das ausências constantes, dos passos em direção a lugar nenhum, de um mundo que girava, girava, girava debaixo de seus pés.
Sua vida não seria mais a mesma, a partir de então, e Amélia logo se cansou da promessa que fez de ajudar a cuidar de sua mãe, e Saulo teve que se virar sozinho, e depois, arranjar uma cuidadora para auxiliar com os cuidados necessários, pois o trabalho era intenso. Talvez sua relação com Amélia tenha desgastado bastante por conta desse episódio, esfriou com certeza, mas Saulo fingiu não perceber.
Depois da morte de sua mãe, Saulo seguiu trabalhando para amenizar seu sofrimento, foi quando resolveu aceitar uma proposta para trabalhar em outro estado.
Não tinha certeza se a decisão era a melhor, mas queria fazer algo diferente na vida, e tomou-a. E além disso, quem poderia afirmar de sã consciência que em matéria de relacionamentos, existe certeza absoluta. Somente o futuro lhe mostraria a verdade, e este era o maior receio de Saulo, que sempre foi um homem temeroso das surpresas da vida.
Depois de um ano, Saulo se apaixonou novamente por outra mulher, e seus contatos com Amélia que já eram escassos, e somente para acertar pagamentos das contas de casa, praticamente se finaram. Agora, seus pensamentos eram para seu novo amor, que logo lhe deu um linda filha, tornando-o novamente um pai coruja, um homem mais motivado, que passou a alimentar novos sonhos para seu futuro.
Saulo vivia feliz com seus novos planos de vida e, nem pensava mais em Amélia, quando recebeu um telefonema de sua ex-sogra, avisando que ela havia falecido de um câncer no fígado repentinamente, que lhe ceifou a vida tão jovem, sem lhe dar chance de refazer seu futuro, como ele refez. Amélia não quis avisá-lo da sua doença, para não preocupá-lo, e deu seu último suspiro nos braços de sua mãe, perguntando se Saulo havia retornado para casa.
Saulo chorou ao saber da notícia, e se sentiu culpado pelo que aconteceu. Não se perdoou durante muito tempo, acreditando que se não a tivesse deixado o desfecho seria diferente. Pensou que poderia ter evitado sua morte, se tivesse cumprido a promessa que fez para ela antes de partir e que jamais cumpriu. Amélia esperou por seu retorno para casa até o dia de sua morte. Agora, era tarde demais, porém ele já não tinha mais dúvidas, Amélia ainda o amava.


   
Poema publicado no livro "Contos Livres" - Edição Especial 2014 - Setembro de 2014