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Maria Rita de Miranda  
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Dormi com a inimiga

 

          Dores agudas no baixo abdômen me encheram de pavor. Gravidez geminada de seis meses, fiquei apavorada com a possibilidade de um aborto ou parto prematuro.
          Casei-me não muito nova, depois de um curto relacionamento com um rapaz que me pareceu, na época, o marido ideal. Simpático, bonito, carinhoso.
          Lutamos muito para nos estabelecer financeiramente. Tentamos alguns negócios que goraram. Por fim mudamos para uma cidade perto da que nasci. Juntamente com a família de Demir, seu apelido, abrimos um pensionato para estudantes.
          Vida simples, trabalhosa, mas que íamos levando na expectativa de um futuro melhor. Foi nessa época que conhecemos Lúcia, uma bonita enfermeira que trabalhava num hospital nos arredores do pensionato. Entre nós nasceu uma amizade que prezei muito, pois ter uma pessoa com quem pudesse fazer confidências me dava um pouco de segurança, visto que não conseguia ter muita intimidade com a família de Demir. Acolhi Lúcia no pensionato, na minha casa e na minha vida. Algumas vezes viajamos juntas, pois queria que ela conhecesse minha mãe e irmãs que ficaram na pequena cidade natal. Outras vezes saíamos juntos eu, Demir e ela. Íamos a barzinhos nos finais de semana, onde ficávamos conversando até tarde. Conversas descomprometidas e divertidas que faziam as horas passarem sem que déssemos conta.
          Depois de uns meses da entrada de Lúcia em nossas vidas, o inesperado aconteceu. Numa tarde abafada e calorenta, eu estava na varanda do pensionato descansando um pouco, depois de um dia estafante. Uma menina, que sempre tomava as refeições conosco, se aproximou. A princípio jogamos conversa fora, depois Lúcia começou a ser o assunto do momento. Achei estranho ela falar e perguntar tanto sobre ela. Mais estranho ainda me pareceu quando ela disse meio irônica, se eu nunca desconfiara de nada. - De nada o quê, falei. Meio sem jeito, mas com um pouco de maldade na voz, falou: - do Dimir e a Lúcia.
          Fiquei alguns segundos sem ação, sentindo uma raiva grande daquela moça, um tanto estranha, se intrometendo na minha vida. Quando recuperei o fôlego perguntei do que ela estava falando.
          -Olha Titinha, estou só alertando você. Preste atenção no seu marido com a Lúcia. Ali tem coisa.
          -Você está louca!
          -Posso provar se você quiser.
          Antes que eu respondesse, ela me disse para ir nessa mesma noite na lanchonete da esquina, se quisesse pegar um flagra.
          Nessa época, me encontrava absurdamente feliz com a notícia de que estava grávida. Uma criança iria fortalecer mais o meu relacionamento com Dimir e eu a queria muito.
          Achei a ideia meio cinematográfica, mas não resisti. Fui. Eram mais ou menos 21h quando, com o coração nas mãos, caminhei meio culpada, o pequeno espaço que separava o pensionato do referido restaurante. Entrei devagar parando em frente do salão principal. Olhei para os lados e, num canto, os vi. Fiquei olhando como uma boba não sabendo se corria para fora, ou se me achegava. Aí eles me viram. Levantaram-se desajeitados e assustados. Saí dali com eles atrás de mim.
          Nessa noite briguei violentamente com o Dimir. Ele pedia calma por causa das crianças. Eu já sabia que teria gêmeas. Tentei me controlar. Não queria que nada acontecesse às meninas.
          Bani Lúcia de minha vida. Continuei com o Dimir, apesar de todo encantamento de nossa relação ter se desfeito.
          Passado alguns dias levantei-me indisposta. Em seguida as dores começaram. Fomos rápido para o hospital. Não teve jeito. As crianças nasceram vivas, mas não resistiram. Perdi-as em meio à dor do corpo e da alma.
          Quando a poeira baixou, o casamento também se desfez. Não tínhamos nenhum motivo para continuarmos juntos.
          Alguns anos se passaram. Relembrando a história, não posso deixar de culpar o Dimir pela perda dos meus bebês. Sei que depois de nossa separação ele passou a morar com a Lúcia. Hoje, com exceção de raras ocasiões, nem me lembro de que ele existiu em minha vida. Quando o recordo é para amaldiçoar nosso relacionamento. Tenho um companheiro que também saiu de um casamento fracassado e damo-nos muito bem, pois ambos, já amadurecidos, procuramos não cometer, viver ou reviver os erros do passado.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Livres" - Abril de 2016