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Rita Lucia de Lucas Tré Becker
Petrópolis / RJ

 

Coragem, Maria!

 

     A missa das dezoito horas estava lotada. Era a missa de sétimo dia do falecimento de um amigo muito querido de Maria. Depois que terminou a missa, do lado de fora da igreja, ela encontrou outros amigos que não via há bastante tempo. O que amenizou a tristeza da perda. Estava grávida de oito meses e duas semanas e por isso sensível demais.
Nesse mesmo dia, na hora do café, Maria observou que sua barriga não estava tão esticada como antes, parecia ter murchado um pouco. E, no dia anterior, o bebê não se mexera.
Preocupada, comentou com algumas mulheres que ela conhecia e já haviam tido filhos. Elas disseram:
- Ah! Querida, não fique tão preocupada. É assim mesmo, às vezes os nenéns dormem. Outras vezes param de mexer, depois voltam.
Maria estranhou, pois há alguns meses, ela se mexia e chutava, com seus pezinhos, cada dia mais intensamente.
Cerca de uma semana antes, Maria fora ao médico. Um velho obstetra. E ele dissera para deixar a bolsa arrumada, pois há qualquer momento precisaria ir para o hospital. A hora do parto se aproximava.
- Deve arrumar a mala com antecedência, para não se esquecer de nada – disse ele.
Durante a gravidez, haviam ensinado a ela que, caso sentisse muita dor na barriga, deveria ir para baixo do chuveiro e deixar a água cair sobre a barriga. Água bem morninha. Caso a dor passasse, nada significaria. Entretanto, se a dor persistisse estaria na hora de sua filhinha nascer.
Na madrugada seguinte ao dia da missa - que falei no início de nossa história -, as dores na barriga de Maria começaram. Ela entrou rapidamente para baixo do chuveiro e tomou o tal banho. Só que as dores continuaram. As dores ficaram muito fortes e, então, enquanto ela se arrumava, seu marido avisou a família. Foram para o hospital.
No táxi, Maria sentia algo diferente: um perda, um vazio. Algo que não conseguia explicar nem dividir.
Na maternidade, foi para o quarto aguardar o médico. Havia um crucifixo sobre a cabeceira da cama e uma outra cama no quarto, sem ninguém. Um médico atencioso que estava de plantão chegou, sentiu, auscultou e pediu que fizessem a higiene em Maria. Mas ela não estava bem.
Nessa hora, Maria olhou para o crucifixo, conversou com Jesus e com ele chorou.
- Oh, Jesus! Não sinto o meu bebê comigo. O que estará acontecendo?
Sentimentos das mulheres e das mães se alternavam naquele peito. Rezava para que Jesus a
ajudasse e indagava o que poderia ser aquela ausência. Fosse o que fosse, pedia auxílio e perdão.
- Senhor, ajude-me a entender o que aconteceu, ajude-me com o meu bebê! Perdoa-me!
Pela manhã, bem cedinho, o mesmo médico atencioso levou-a para outra sala, tentou ouvir os batimentos cardíacos do feto e, naquele momento, nada se ouviu. Aquele coraçãozinho não batia mais.
Ela desmaiou...
- Morta. A filha dela estava morta. Foi-se embora, sem ao menos ter visto a luz!
No ventre e no coração de Maria um vazio se instalou. 
Ainda no hospital, após optarem por parto induzido e retirarem o feto morto de seu ventre - e ela ter sentido tamanha dor -, conheceu uma moça, ou melhor, duas moças. Uma delas, com a alegria de ser mãe, aguardava o neném no quarto. Aquela cama vazia, agora, estava ocupada.
A outra moça também aguardava o bebê, mas estava em visita pelo corredor, e lhe contou que não queria aquela criança. Contou-lhe que, por mais que tivesse feito, o filho dela insistiu em viver. A moça jogara-se no chão para perder o bebê, tomara remédio para abortar, fizera tudo que uma grávida não deveria fazer, todavia a criança vingou.
Aquela noite se fez insustentável para Maria. A hora não passava e ela chorava por dentro. Cada instante era eterno. Cada vez que fechava os olhos, tentando dormir, ouvia a história da moça que não queria o bebê e sentia uma profunda infelicidade.
Ao amanhecer, logo recebeu alta do hospital.
Ao sair, o sol que brilhava lá fora parecia faltar um pedaço. O mundo que esperava por ela seria outro. A vida, a partir desse episódio, teve seu sabor alterado, perdeu a leveza, tornou-se mais difícil ainda de viver.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Livres" - Abril de 2016