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José Vicente Neto
Pratápolis / MG

 

Num tempo que existia assombração

 

  – Ei, compadre João! – O quê que está acontecendo, pra você sair correndo desse jeito? – Corre compadre. – É na casa do seu compadre Serafim, de novo. – Tô indo. – Mas o quê que está acontecendo hoje na casa do Serafim? – Vish Maria! – Cruz credo! – Tô todo arrepiado. – Falaram que o trem apareceu lá, de novo. – De novo? – Então apressa o passo compadre, que eu já estou querendo ver essa coisa de perto. – Mas ninguém nunca viu compadre. – Verdade. – Mas toda vez que acontece isso, eu escuto uns barulhos antes. – Parece até que o trem passa no quintal da minha casa primeiro. – Mas toda vez eu estou sentado no alpendre e não dá tempo de ir ver. – Ou você, ou o compadre Sebastião, já passa na minha porta correndo, pra ir pra casa do compadre Serafim, aí eu vou também com vocês. – É verdade compadre. – E agora tá acontecendo toda semana, né? – Verdade compadre, antes era mais demorado, agora parece que o trem tomou gosto! – É toda semana. – Mas será por quê que o trem cismou com o Serafim? – Ah, compadre, eu acho que é porque é mulher dele é de outra religião. – Mas a comadre é uma mulher tão boa. – Você não vê? – Depois que acalma a agitação, ela vai pra cozinha fazer aquele cafezinho com aqueles bolinhos pra todo mundo que foi lá ajudar. – E a gente acaba ficando de prosa até mais tarde um pouquinho, não é?. – Verdade compadre!
          – Num to falando pra você compadre João? – Sente só o cheirinho! – Já é o cafezinho. – É mesmo compadre, hoje nós demoramos pra chegar, já tá todo mundo aqui. – Mas também, em vez de vir depressa, nós ficamos de prosa sobre o trem. – É mesmo!
         – Sabe compadre? – Eu tenho obervado uma coisa: toda vez que a gente vem aqui, nunca viemos nós três, eu, você o compadre Sebastião. – E, olha que nós somos vizinhos de muro, não é compadre? – Então... é mesmo compadre! – Cada vez é um de vocês que escuta o trem e sai correndo primeiro, e eu venho junto. – Verdade compadre. – Você já notou que a minha mulher não vem também? – É verdade compadre, nunca vi ela aqui. – Ela tem medo compadre? – Tem sim, compadre João, ela tem tanto medo, que se tranca no quarto até eu chegar em casa. – Coitadinha dela!
         – Mas hoje, compadre João, como as coisas se acalmaram mais cedo, eu não vou esperar o cafezinho, não. – Por que compadre? – Vou lá pra casa ficar com a minha mulher, ela deve estar trancada no quarto até agora. – Mas... espera mais um pouquinho, compadre, hoje foi pouco tempo. – Pouco tempo pra quê, compadre? – É... é... pouco tempo pra... pra gente prosear com o Serafim sobre o que o trem fez hoje. – É verdade, mas vou embora assim mesmo, quero, também, dar uma olhada no meu quintal. – Mas o quê que você vai olhar no seu quintal? – Vou procurar sinal dos barulhos que ando ouvindo lá no dia que o trem aparece aqui na casa do compadre Serafim. – Inté compadre!
         – Mas compadre... vamos voltar e tomar, pelo menos, só um cafezinho. – Não compadre.  – Se você quiser, pode vir comigo, é bom que você me ajuda a olhar o quintal. – Mas... compadre...
         – Entra compadre João. – Querida, eu já cheguei, pode sair do quarto. – Já vou... espera um pouquinho...
         – Vem comigo, compadre João, vamos direto pro quintal. – Mas compadre está uma noite muito escura. – Não tem problema não, eu tenho uma boa lanterna e um revolver. – Mas compadre... – Uai compadre, você é tão corajoso lá na casa do compadre Serafim! – Arriba home, tá com medo de quê. – É... de nada, uai! – Então vem.
         – Está escutando, compadre João? – Barulho de Janela. – E é da janela do meu quarto. – Olha lá. – Tem um vulto saindo pela janela. – Acende a lanterna, compadre João, que eu vou atirar. – Não compadre, não atira. – Atiro. – Quero ver se assombração entrar na minha casa mais de uma vez. – Não compadre. – Acende a lanterna. – Espera. – Anda logo. – Espera... – Então atiro no escuro mesmo. – Acertei. – Caiu no chão. – Acende logo essa lanterna. – Não estou conseguindo acender. – Então me dá aqui que eu acendo. – Compadre Sebastião? – Então você é o assombração que faz a minha mulher ficar trancada no quarto?

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Livres" - Abril de 2016