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Rozelene Furtado de Lima
Teresópolis / RJ

 

O fantasma do rei

Parabéns para você! A vizinha, já nos seus oitenta e nove anos, depois de assoprar tantas e todas as velinhas, distribuiu as fatias do bolo para a família e sentou-se na cadeira de balanço na varanda. Ela gostava de sentar-se ali nas noites quentes. Abria as janelas e observava os carros passarem na avenida. Um bisneto veio conversar com ela, ele tinha uns 11 anos. Vó deixa eu tirar uma foto com você e colando o rosto no dela – sorria vovó, falou ele. E a seguir mostrou a foto para a avó. Ao que ela respondeu:
- Não tem mais dificuldades para nada, é tanta novidade, que às vezes fica sem graça, sem emoção. Com vocês tudo acontece tão rápido, muito depressa!... Não dá nem tempo dos fantasmas aparecerem para saírem nos retratos.
-  O que, vó? Fantasmas, explica isso direito. Pergunta ele muito interessado deixando transparecer a curiosidade nos olhos arregalados.
- Nunca ouviu falar dos retratos do meu casamento?
- Não, conta, conta vó...
Encontrar um bom retratista na época em que me casei era muito difícil, eu tinha quinze anos, meu pai contratou um profissional que trabalhava numa cidade distante, ele era dono de uma máquina possante que tinha trazido do estrangeiro.
Um tempo em que tudo acontecia vagarosamente e num lento ritual. Eles tiravam os retratos com muito cuidado, levavam para revelar, depois traziam uma prova para o cliente escolher, demoraaaaaava muito mais de mês.
Papai, mamãe e o retratista chegaram a minha casa para eu escolher os melhores retratos. Sentados à mesa ele mostrava os retratos um a um. E o inesperado fez uma surpresa. Em todas as fotos tinha uma pessoa que nenhum de nós conhecia. Estava com vestimentas de rei, usava até coroa. Era moreno, estatura média, bigodes pretos e grandes, ricas roupas e joias, aparentava ter uns quarenta anos e um ar de felicidade.
- O que, vó? Vocês convidaram algum rei? O menino perguntava assustado.
- Não, nem conhecíamos nenhum rei. Não havia os recursos que tem hoje para fazer alterações nos retratos, quando muito uma pequena raspagem num mínimo detalhe, mas ficava o sinal. Portanto o rei fantasma foi ao meu casamento sem ser convidado.
- Vó, e como ficaram suas fotos de casamento? Onde estão? Posso vê-las?
Ela continua o relato: - Meu pai queria bater no retratista. O rapaz ficou muito nervoso e repetia: - não tenho explicação, isso nunca aconteceu comigo, tenho dez anos de profissão, eu sustento minha família com meu trabalho. Foi um deus nos acuda!
E a vó continuava: - Meu pai gritava: - você foi muito recomendado e cobra muito bem, bem demais!
Todos sabem que retrato de casamento não dá para fazer meses depois. O rapaz completamente desconcertado disse que veria o que poderia fazer e falou em até devolver o dinheiro a meu pai. Ficou impossível acalmar os ânimos. Era um tal de:  não acredito! Como é possível? Cruz credo! Valha-me Deus!
Minha bisavó, que tinha mais idade que tenho hoje, ouviu aquela confusão toda em silêncio. Depois chamou meu pai e segredou: - Isso é coisa de fantasma, eles gostam de sair em retratos para serem lembrados. Já ouvi muitas histórias iguais a essa, os fantasmas adoram ser fotografados em festas, principalmente em festas cheias de pompa e em família, como as de casamento.
O rei aparecia em todos os retratos. No retrato do bolo  ele estava com a mão encima do casalzinho de noivos. No retrato em que estavam meus pais, o fantasma aparecia dando um beijo no rosto da minha mãe.  No altar o rei estava em todas as fotos. Entrou na igreja à frente dos noivos como se fosse um pajem. Ele só não apareceu em um retrato.
-  Qual, vó? -  Perguntava o menino ansioso pela resposta.
- Na foto...  - ela teve que parar de falar porque ria muito.
- Fala, vó...
- No retrato em que eu tropecei no vestido na subida da escada da igreja.
O menino assustado perguntou: - E vocês não ficaram com medo?
- Medo de um fantasma vaidoso que gostava de tirar retratos? Claro que não!
E ele só apareceu nos retratos, na festa ninguém viu o rei.
Onde estão os retratos, vó? Vou colocar nas redes sociais e contar sua história.
E ela continua: - Meu pai mandou queimar todos os retratos, porque disseram que o fantasma do rei poderia atrapalhar meu casamento. Depois meu pai chamou um artista plástico da região para fazer um quadro de noivos com meu rosto e do seu avô.
O fantasma do rei ainda aparece para mim até hoje, comentou ela.
- Hãm! Você me chama, vou arrumar uma máquina antiga e vou fotografá-lo, comentou o menino.
- Ele vem só em sonho.

 

   
Publicado no livro "Contos Fantásticos" - Edição Especial - Maio de 2015