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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

A viagem de Pietro

A família motivada pelo sonho do país da Cucagna, de estarem rumando para “ far La America”, emigrou para o Brasil. O menino Pietro, trazia a marca de  bastardo, mais uma vez ficou a espera de que fossem buscá-lo.
Não se pode julgar que fora abandonado. A miséria era tanta que mais um complicava a vida. Os senhores que cuidavam do garoto por piedade deixaram-no com um amigo, prometendo mandarem dinheiro, mais a passagem para vir ele também ao Brasil. O tempo foi passando, as dificuldades cada dia eram maiores. O menino, agora adolescente ficou sozinho, pois quem cuidava dele acabou morrendo, não pela idade ou doença, mas mais por falta de assistência.
Pobre criança. Chorou muito, decidido resolveu partir sozinho. Fora abandonado pelo padrasto, quando sua mãe casara de novo, depois da morte de seu pai. Agora desamparado pela outra família. O senhor que estava com ele não o maltratava, porém não havia perspectiva.  Com mais uma morte no seu caminho, ficou sozinho.  Cansou de viver de caridade.
Pegou uma mala velha surrada, as três mudas de roupa que tinha, herdou dois pares de carpins, um pulôver de lã, uma boina de couro, já gasta pelo uso. Achava-se bonito com ela. Guardou também a bíblia, um rosário de estimação, já faltando algumas contas. A preciosidade era uma imagem bem pequena de Maria Bambina, um mimo.
Não partiu com ninguém do vilarejo, para não ser reconhecido. Chegou ao porto de Gênova, depois de três dias de viagem. Percorreu a distância a pé. Dormindo em algum lugar que permitissem. Até recebeu alguns pratos de comida, Um copo de leite, recém tirado, foi muito bom. Era um adolescente bonito, tinha feições delicadas. Inspirava confiança.
No porto de Genova, se ajuntou a multidão que estava à espera do embarque.  Como fazer para entrar no convés sem dinheiro? Rezou muito, pedindo ajuda aos Santos. Como era franzino, passava despercebido. Quando o navio abaixou o passadiço que ligava ao cais, por onde embarcam os passageiros, com um pouco de sorte se ajuntou a um grupo, entrou no navio.
Escondeu-se no porão. Não havia quase iluminação, pouco ar circulava por ali. Ficou quietinho num canto. Quando ouviu, o apito dando sinal de partida, suspirou aliviado. Escutou o barulho de quando levantaram  a âncora, a empolgação da tripulação. Fez o Sinal da Cruz, agradeceu a Deus, pediu mais uma vez proteção. Cantou junto com seus compatriotas, o Hino da Itália.
Achou que era noite, pois estava tudo muito escuro e quieto. Passou muito medo, havia ratos enormes por ali. Cansado adormeceu.  Pela manhã se levantou meio atordoado, estava com fome, foi ao convés. Ajudou um marujo a varrer, passar pano, ganhou simpatia.  Na hora do café entrou na fila, conseguiu até um pedaço de pão, já muito velho. A fome era grande, assim alimentou-se. À tardinha com a mala, com a imagem de Maria Bambina,  na mão, contou ao marujo a sua solidão.
- Estou sozinho, quero ir ao Brasil, encontrar alguém que me queira. O marujo já acostumado a tantos infortúnios disse. 
-Vou levar você para o meu catre, não conte a ninguém que está viajando sozinho. Se não eles, os donos da viagem, te jogam no mar. Assim, dividiu a cama com o menino. Escondeu os pertences dele, para não serem roubados. O menino deitou, dormiu muitas horas. Sentiu-se acolhido, no pequeno espaço, embaixo de uma escada. A comida que o marujo recebia, dividia com o Pietro. Às vezes trazia mais um prato. Contou que já fora casado. Tinha uma filha, muito bonita, que ficara na Itália com a mãe. E, um menino mais ou menos da idade de Pietro, que numa dessas viagens para a América, ficou doente, acabou morrendo, quando estavam quase chegando no Brasil. Ele mesmo precisou jogar o filho no mar. Cada vez que passa pelos Penedos de São Pedro e São Paulo, lembra do filho, que ele amou muito. 
O mal do mar por causa do balanço do navio, provoca desconfortos, vertigens, vômitos.  Às vezes graves. Quem mais sofre são as pessoas idosas, as mulheres grávidas, as crianças. Os maridos, desesperados tentam acudir as esposas, os filhos queridos.
Foram mais de 30 dias, onde só se avistava o mar, o céu dando a impressão de serem sem fim. A paisagem se tornou cansativa. O horizonte ao longe, uma novidade para quem na sua aldeia cercada pelos Montes, tinham  a proteção do espaço aconchegante, apesar das dificuldades econômicas.   A viagem foi triste, as pessoas choravam de saudade da Pátria. “Partir é morrer um pouco”, diz o adágio, mas é melhor partir do que morrer. 
Alguns dormiam no chãoao relento, desabrigados do mau tempo, da friagem da noite. O  Sol escaldante, pouca água potável trazia desesperança.  Rezavam o terço toda à noitinha, na proa do navio.  As criança organizavam brincadeiras, corriam pelo convés. Quase sempre eram repreendidas pela tripulação. Para entretimento, cantavam jogavam baralho, mas nada disso   superava a ansiedade.
 Enfrentaram uma tempestade. O navio balançou muito. A gritaria dos passageiros aumentava o medo que Pietro sentia. Depois de muitas horas, o vento se acalmou. A escuridão da noite foi cedendo aos poucos pelos raios de um novo dia. O Sol surgiu tímido no horizonte. As ondas ainda eram enormes, o mar agitado, estava impetuoso.
Sentiram a falta de alguns emigrantes, principalmente crianças, com certeza, foram tragados pelas ondas.
Choraram muito. Rezaram pedindo aos Céus, proteção.
Pietro, com seu protetor Giacomo, se entendiam bem. Alguns marujos tentaram molestar o adolescente. A promiscuidade era grande durante as viagens. Atraíram-no com conversas de que no porão, bem no fundo do casco, veriam alguns peixes interessantes do mar. Pietro os acompanhou sem desconfiar de nada. Ele já estava dominado, as roupas rasgadas, a boca sangrando, pois tentara gritar, levou um ponta pé, quando o seu protetor sempre atento, chegou com uma arma branca em punho.  Muito assustado, Pietro correu nos braços amigo.   Giacomo, afugentou os homens  ardentes de desejo, dizendo que iria denunciá-los ao comandante.
Pietro não mais se afastou do seu protetor.
A Pelagra já dava sinais em alguns imigrantes. Mais alguns dias, atracaram no Porto de Santos. Quando avistaram a exuberância da paisagem esqueceram um pouco das agruras da viagem. Alegres, falavam todos ao mesmo tempo.  O verde do litoral brasileiro conquistou de imediato o imigrante. Renovou a esperança  de Bem  Viverem, na nova Terra.
Pietro manifestou o desejo de ficar no navio, viajar com o marujo, seu amigo.  À noite enquanto aguardavam o desembarque os dois conversaram.
O marujo sabia que além de todas as dificuldades da viagem iria sofrer perseguição por ter socorrido Pietro, dos abusos violentos, quase praticados contra ele. Disse:
- Pietro você me trouxe outra vez a lembrança do meu filho. Quero o melhor para ti. Vai em busca  do teu destino. Vamos escolher um grupo de famílias, que vai viajar para o Sul do Brasil, junto com eles você já fica na Hospedaria. Com o Vapor vai até o Porto dos Casais, seja feliz na nova Pátria.
Giácomo, com muito jeito, conseguiu quem  levasse o menino. Era uma família com cinco filhos moços e duas jovens donzelas. Pietro partiu para o seu destino, deixou com o marujo a medalha de São Bento, que ganhara do seu amigo protetor.

 

   
Publicado no livro "Contos Fantásticos" - Edição Especial - Maio de 2015