Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Imprevisto? Acontece...

           Finalmente chegou a data da nossa vigem a Montevidéu. Cidinha e eu a faríamos para comemorar o nosso aniversário de casamento. Estes quatro dias fora, viagem curta, com certeza iria nos reabastecer as energias, pois prometêramos a nós mesmos viver intensamente e desligados de tudo.
          O voo saiu de São Paulo e logo chegamos à capital do nosso vizinho Uruguai. Do aeroporto de Montevidéu, fomos nos acomodar no Hotel London Palace, um lugar bem aconchegante.
          Para não desperdiçar tempo, havíamos feito um roteiro prévio para conhecer os principais pontos turísticos do lugar.
          Iniciamos pela Praça Independência, a mais importante do país e daí caminhamos pela Avenida 18 de julho, ponto de compras e bem famosa. Assistimos ainda, neste primeiro dia, a troca de guarda do Mausoléu do General José Gervasio Artigas. Voltamos para o hotel um pouco cansados e decidimos que ficaríamos a noite por ali mesmo.
          No dia seguinte a Praça Fabini nos deu o espetáculo com suas pequenas fontes e canteiros de esplendorosas flores. Fomos ainda avistar o Palácio Legislativo e adentrar a linda Catedral do local. Na volta para o hotel, passamos novamente pela Avenida 18 de julho, que oferecia à noite, uma visão meio encantada. Toda iluminada contrastava com o negrume do céu sem estrelas.
          Na manhã do terceiro dia, estávamos no saguão do hotel esperando o carro que nos levaria a novos lugares, quando um rapaz me chamou a atenção. Estava encostado num balcão e parecia inquieto. Ora levantava um, ora levantava outro pé. Suas mãos se erguiam e corriam pelo rosto ou se abaixavam circulando a barriga. Ele estava pálido.
          -Cidinha, eu falei, aquele homem não está bem. Veja os seus modos.
          Ela olhou aquela cena e não se contentou. Acabou por se aproximar do rapaz.
          -Você não está se sentindo bem?
          O moço olhou para ela como se tivesse encontrado a salvação.
          -Uma brasileira! Sou Cícero, nordestino de Olinda. E você?
          -Do interior de Minas Gerais. Mas o que se passa?
          -Tive certa vergonha de falar ao pessoal do hotel sobre minha condição. Tenho dificuldade com a língua.
          E Cícero continuava inquieto.
          -Olha, desde ontem à noite eu não estou bem. Desarranjo intestinal.
          Só de falar, o rapaz se arrepiou todo.
          -Preciso de um remédio. Será que você conhece por aqui alguma farmácia?
          E como todos nós temos um pouco de médico, entrei na conversa.
          -Cícero sou o Jairo. Sempre que viajo carrego comigo uma bolsinha de primeiros socorros. Eu tenho um remédio bem eficaz para o seu mal. Se você confiar...
          -Por favor, traga-me este remédio. As cólicas estão começando novamente.
          E ele começou a andar em círculos. Fui até meu quarto e peguei uma cartela que continha os ditos comprimidos.
          -Aqui está. Tome um hoje. Amanhã pode tomar dois.
          Cícero saiu apressado e não o vimos mais naquele dia. Continuamos nossos passeios. Fomos conhecer o Teatro Municipal e o Teatro Solis. Passamos pelo Museu Oceanográfico e, de ônibus, fomos até a Bodega Souza para degustarmos um bom vinho. Viagem tranquila, proveitosa e já chegando ao fim, pois o quarto dia, domingo, já estava para despontar.
          Neste dia circulamos pela tradicional Feira Tristan Narvaja, onde se vê de tudo. Dali, partimos para o último passeio, o jardim japonês que nos encantou.
          Na tarde deste domingo já estávamos com as malas prontas para irmos para o aeroporto, quando avistamos Cícero. Estava ótimo. Ele veio até nós para nos agradecer.
          -Obrigado Jairo, o remédio foi tiro e queda. Estou novo outra vez.
          Eu não pude deixar de gracejar:
          -Na minha cidadezinha este remédio tem o apelido de rolha.
          -Então estou arrolhado, e só vou me livrar dela quando chegar a Olinda.
          Rimos muito. Não é que este nordestino simpático tinha senso de humor?
          Comentei com ele que estava comigo um livro que eu deveria enviar para um amigo de Recife. Imediatamente ele se ofereceu para levá-lo, dizendo que o postaria tão logo chegasse a Olinda. Assim chegaria bem mais depressa ao destino. Entreguei o livro a ele e nos despedimos.
          Cidinha comentou um pouco irônica:
          - É, nesta vida temos mesmo de estar preparados para os imprevistos.
          Até hoje me comunico com o Cícero. Entre mal-estar, receita improvisada e imprevista, ganhei um novo amigo.


   
Publicado no livro "Contos Fantásticos" - Edição Especial - Maio de 2015