Primeira vez neste site? Então
[clique aqui]
para conhecer um pouco da CBJE
Antologias: atendimento@camarabrasileira.com
Produção de livros: cbje@globo.com
Contato por telefone
Antologias:
(21) 3393 2163
Produção de livros:
(21) 3547 2163
(21) 3186 7547

Silvio Ruiz Paradiso
Maringá / PR

 

Feliz Dia dos Pais

 

Faltavam 24 horas para o Dia dos Pais, e Carlinhos estava, em seu quarto, sentado sobre o tapete. Ao seu lado, várias sacolas e alguns jornais velhos.
O pai havia lhe ensinado a cortar as folhas para fazer uma enorme rabiola, que quando estivesse enfeitando a pipa, que compraram naquela mesma manhã, estaria a colorir o céu do bairro de Jaçanã.
Carlinhos achava que rabiolas enfeitavam as pipas. Para o garoto era como se fossem os rabos destas, principalmente quando s pipas eram chamadas de ‘papagaios’. Júlio, seu pai, contara que a rabiola, ou “rabilinha”, como se chamava antigamente, era mais que um enfeite, mas um adereço que proporcionava estabilidade:
- Carlinhos, a pipa é um brinquedo que voa na oposição entre a linha que seguramos e a força do vento, e a rabilinha faz com que a força do vento não atrapalhe muito o nosso controle, entendeu?
- Não! Respondeu calmamente a criança, que jogava sobre o pai algumas sacolas amarelas do “mercado Andorinha”.
Júlio sentou no chão e começou a cortar a sacola, para produzir o adereço que iria ser anexado na pipa vermelha. Carlinhos olhava e manifestava-se contrário àquele estilo, dizendo que não gostava do que via. O pai começou a rir e a criança em pé sorria. Júlio, então perguntou como o filho queria que a rabiola fosse. Carlinhos, por sua vez, respondeu que gostaria que a “cauda” da pipa vermelha fosse como um arco-íris.
O pai prometeu ao filho que, no dia seguinte, iria comprar folhas coloridas e juntos iriam confeccionar a rabiola arco-íris que Carlinhos tanto queria. Seria, com certeza, um feliz Dia Dos Pais. A criança abriu um gigantesco sorriso, que mostrava a ausência de um dos dentes frontais. Carlinhos era uma criança franzina e de canelas finas. Os grandes olhos negros eram perfeitos para o cabelo preto e liso, que teimava em escorrer pelo rosto. O garoto era extremamente apegado ao pai, apesar de conviver grande parte do dia com a mãe, Sônia.
Com ajuda dela, tinha feito um cartão de Dia dos Pais. Era o primeiro cartão escrito que fizera, afinal, com pouco mais de sete anos de idade, tinha acabado de entrar na escolarização formal. Fez uma carta a Júlio, e nela escreveu “Te amo papai Júlio. Feliz dia dos pais. Do seu filho Carlos”, e em volta vários desenhos, como o sol, árvores, pássaros e até a tal pipa vermelha com a rabiola colorida.
No dia seguinte, a família estava à mesa, tomando o café da manhã. Carlinhos, com o rosto inchado de sono, dizia ao pai que tinha um presente, mas só dar-lhe-ia depois que o pai fizesse a rabiola. Sônia riu e Júlio, ainda com um pedaço de pão na boca, mostrou ao filho um pacote de coloridas folhas de seda e crepom, que havia comprado mais cedo, enquanto buscava pães e leite.
Carlinhos e o pai ficaram a manhã toda recortando longas tiras de papel, e colando-as na linha da pipa. Quase uma hora e quarenta minutos depois, a pipa vermelha estava toda ornada com a longa rabiola multicolorida, lembrando o tal arco-íris que tanto Carlinhos queria. O moleque ficou tão deslumbrado com aquilo, que mal se lembrou da carta ao pai, tampouco de parabenizá-lo pelo Dia dos Pais.
Sônia, pediu a Júlio que voltasse ao boteco de Sérgio, e trouxesse uma tubaína para o almoço. Júlio enfiou a mão no bolso e retirou uma nota de cinco. Beijou a esposa e partiu ao bar, mas antes de cruzar a porta, observou o filho segurando a pipa e alisando a sua “cauda”, como se o objeto fosse um animal de estimação.
- Carlinhos, assim que eu voltar, a gente coloca a pipa no alto, ok?  Dizia o pai enquanto a criança gritava um sonoro “eba!”. 
A promessa de seu pai, em voltar e ajudá-lo a empinar não se concretizou. No bar de Sérgio, a garrafa de tubaína cai da mão de Júlio, espatifando-se em dezenas de pedaços. O derrame foi impetuoso e cruel. Em cima dos cacos, Júlio caiu morto, sujando a entrada do bar com o sangue que escorria do nariz.
Aquela semana foi caótica. Sônia vivia a base de remédio, e Carlinhos passava quase todos os dias com a companhia da avó Esmeralda. O menino não foi ao velório, nem ao enterro, e todos da família ficavam inventando mil estórias, tentando minimizar sua dor.
- Mãe, quando o pai volta? Repetia quase todo o dia.
A mãe, entretanto, dizia ao filho que o pai não voltaria mais, pois foi morar no céu junto a Deus. Carlinhos sabia que o pai morrera, e todos os dias, ficava horas olhando para o céu, tentando compreender como lá havia casas.
A carta que fizera ao pai precisava ser entregue, mas Júlio não estava ali para lê-la. O céu não tinha CEP, nem carteiros, então a ideia de enviar pelo correio acabou sendo desistida.
Nove dias depois da morte de Júlio, Carlinhos foi até seu quarto e pegou sobre a mesa, um rolo de fita adesiva. Tirou a carta que fizera ao pai debaixo de seu travesseiro, e colou-a na pipa vermelha, intocada desde o fatídico Dias dos Pais.
Eram quase 11 da manhã, e na rua, Carlinhos tentava subir a pipa. Imaginava que a colocando no céu, o pai pudesse ler a carta grudada nela com fita adesiva. Em sua cabeça a pipa precisava de mais e mais linha, pois o céu onde o pai estava era muito muito alto. A cada dia, o menino aumentava a extensão do carretel, fazendo com que a pipa e a colorida rabiola ficassem minúsculas no imenso céu.
Duas semanas depois, lá foi novamente Carlinhos colocar sua pipa e carta no céu. Contudo, naquela manhã, os meninos da rua de trás aproveitaram o dia de sol, para também empinarem, enchendo o céu de quadrados de inúmeras cores. Uma das pipas, bem grande por sinal, começou a chegar próxima da pipa de Carlinhos, iniciando uma luta no cerúleo espaço.
A pipa que lutava com a de Carlinhos, era a de João, rapazote já experiente nesta área de ‘empinagem’. Ademais, tinha em sua linha uma mistura desleal de cola e vidro, que como uma espada precisa e rápida cortou a linha de Carlinhos.
A criança com olhos marejados, observava sua linha despencar dos céus, enquanto a pipa vermelha e a colorida rabiola começavam a subir cada vez mais, até desaparecer no meio das nuvens. 
Carlinhos sorriu e chorou. Teve ali, a certeza que o pai, enfim, recebera sua carta no céu.
- Feliz Dia dos Pais, papai.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016