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José Faria Nunes
Caçu / GO


Saudades do tempo

 

No quente da areia seguem dois pequenos pés a deixar marcas sucessivas na estrada. Marcas indefinidas de pequenos e descalços pés que se afundam na areia, um após o outro, queimando-se. Bornal ao ombro e, no revezar das mãos, o caldeirão de almoço para o pai na roça da croa.
À sua frente o areão parece interminável. E o sol, mais quente que nunca. As margens da estrada são ameaças, com espinhos e outros perigos para os pés. A areia quente o melhor jeito de prosseguir.
A longa distância no veranico de janeiro castiga os pés da criança.
Ao longe já se vislumbra o final do areal no adentrar-se no sulco de dois paredões da estrada, produto da erosão esculpida pelo fluxo de carros de bois, único meio de transporte de então.
A paisagem, se vista do alto, assemelha-se a um rio de areia que se adentra ao cânion, em cujo sulco também se concentra areia como um filete d’água a escorrer entre as escarpas da ação do tempo.
Uma cava, no linguajar dos moradores locais.
O menino acelera os passos na esperança de vencer a distância e refrescar os pés após o cânion e poder pisar o frescor do capim verde no final do areão.
Vencido o percurso repousa o caldeirão e o bornal na moita de capim na beira da estrada. Abaixa-se e olha para a sola dos pés, a arder como pimenta malagueta na língua ou nos olhos.
Alegra-se ao notar a vermelhidão, mas apenas uma pequena bolha.
Pega um desvio cortando volta pelo meio do pasto.
- Tomara não ver nenhuma vaca parida – pensa em voz alta o menino.
Avista a cerca de arame farpado da roça.
A certa distância, rezes a ruminar debaixo de árvores. Sucupiras? Jatobás? Umas e outras?
Quisera poder descansar os pés em uma sombra daquelas.
Aperta o passo.
Agora desfila entre a plantação de arroz.
Grita:
- Paiê!
A resposta vem de entre o milharal. O pai vem-lhe ao encontro e os dois se acomodam junto a grosso toco de árvore.
Ao término do almoço do pai come a sobra.
Delícia de comida aquela. No fundo do caldeirão o feijão e por cima o arroz com mistura. Abobrinha, quiabo, moranga e couve. Em dias alternados o cardápio varia: almeirão, alface, vez por outra também frango ou outra iguaria.
Terminado o almoço, a peregrinação da volta. Tem que chegar em casa a tempo de se arrumar para a escola no grupo escolar na periferia da cidade.
Na escola alimenta o sonho da mãe que quer ver o filho advogado.
Sonho remoto.
Na cidade nada é oferecido além do primário. Ginásio e colégio só na cidade grande, para onde vão os filhos de ricos. Fazendeiros, comerciantes e políticos.
A falta de recursos deixa a perder de vista a chance de se mudar para continuar os estudos ao concluir o primário. Mais provável tornar-se lavrador como o pai ou pedreiro como o tio que mora na pequena cidade.
Passados meses e anos.
Aquele menino, agora jovem e servente de pedreiro na cidade, continua a sonhar, assim como a mãe.
Quanta saudade dos tempos em que levava comida para o pai na roça.

 

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos Fantásticos - Edição 2016" - Setembro de 2016