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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

Folhas do tempo

Ele andava descalço esses dias pelas ruas do tempo. Abria as portas e as esqueciam abertas ao vento, cantava cantigas de roda, dançava como santo, corria pelas ruas a olhar as bandeirolas de São João. Meditava bem na primavera, mas era no outono que ele se inspirava mais, pois foi nesta estação que ele escreveu um dos mais belos poemas de sua vida, intitulado “Folhas do tempo”. Ele lembra com uma alegria estampada em seu olhar quando a professora Railda do Colégio Estadual Lúcia Oliveira lhe pediu para recitar, na chegada da maravilhosa estação, o poema que ele, conhecido como Romadel, escrevera na sala de aula em homenagem à chegada da nova estação, o Outono, momento em que ela trazia paz a toda aquela pequena grande cidade do Sul da Bahia, cidade rica em diversidade cultural e cultivadora de cacau. Assim ele recitava, declamando com o seu corpo frágil e solto, tímido e desengonçado:
“Folhas do tempo. Folhas molhadas abrigam nelas/ O orvalho doce das manhãs tão belas/ Folhas molhadas que guardam nelas/As mais belas histórias contadas da janela/ Para toda a gente tagarela/ E o tempo, como grande fera/ De seu santo canto assim declara: És para sempre a estação mais bela/ Que inspira toda poesia singela/ Feita do doce amor das carmélias,/ Tecida em cada janela/ Por tantos eles e elas,/ E a mãe-natureza embeleza-se/ Com os versos ditos para ela/ Fazendo-lhe ser tão bela./ Pois quando o outono chega/ As folhas do tempo se renovam/ Trazendo de volta a esperança perdida/ E anunciando novos sonhos como pétalas/ Que se soltam das folhas do tempo.   
O tempo passou, mas Romadel nunca se esqueceu de sua amada professora e do poema que ele recitou na estação daquele inesquecível ano, outono tão diferente da nova estação que hoje se apresenta. O tempo foi-lhe ingrato, mas a memória, sua grande amiga das horas, soube lhe presentear com as imagens que o seu corpo e a sua mente guardam secretamente lá nos porões de sua saudosa memória.
Muitos outonos se foram, sonhos foram realizados, aprendizagens foram construídas, ceús foram abertos, cantigas foram transformadas na difícil travessia de sua passagem de menino-poeta que sonhava com uma vida conduzida pela justiça, serenidade e compromisso. Essas três palavras acompanharam-lhe desde o seu nascimento. A alteridade sempre foi o seu prato predileto, pois sabia que a graça da vida estava no compartilhar de ideias com o outro.
Havia um grande problema que lhe incomodava. Sua inquietude pairava em como viver sem ser interpelado pelas “ferrugens do tempo”. Este tempo que a tudo apruma e leva a todos a inevitável velhice. Este sagrado e sábio Tempo que lhe ensinou que o que enferruja é o corpo, mas a alma e o espírito permanecem moventes e em constante construção, num eterno processo de rejuvenescimento e em grande desenvolvimento de sua múltipla criatividade.
O tempo ensinou ao jovem Romadel que a velhice virá, o corpo há de sofrer as suas consequências, e muita coisa se enferrujará: o pensamento, as palavras empedernidas e cruéis, os amigos invisíveis, a janela de onde se vê tudo acontecer, o passado, os momentos traumáticos, os sonhos, a casa adornada, os objetos de desejo, os sentimentos, os lugares, os costumes, a alegria, a tristeza, o amor, o ódio, a certeza e as dúvidas. Porém a alma e o espírito sempre estarão sendo renovados com a poesia que acalma e transforma a vida daqueles que jamais envelhecerão porque serão sempre fortalecidos e renovados pela força do outono, pela força da poética energia que se esconde nesta bela e grande estação.
Romadel seguiu a seu caminho, menos verde e mais maduro, menos confuso e mais consciente de seu papel nesta terra de heteras faces culturais, menos capitalista e mais socialista, mais próximo da poesia e menos distante da desenfreada tecnologia, menos agitado e mais calmo, menos desumano e mais humanamente gente, enfim, menos carne e mais espíritualista. Plantou dentro de si a semente da eterna fonte da juventude, a vontade de nunca se entregar ao devaneio da estrada errante.
Hoje ele entendeu que, como as folhas que caem para dar lugar às novas folhas, assim também somos nós: temos que dar lugar a novas ideias, novos horizontes que nos encaminham à frente de nossa expectativa. Ele percebeu que era o egoísmo que lhe impedia ver a dimensão da grandeza de estar vivo e reconhecer a beleza que nos proporciona todas as estações do tempo, e em especial, o Outono que é sinônimo de mudança, resistência e resignação.

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015