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José Anilto dos Anjos
Ribeirão Pires / SP

Neste lugar havia um riacho...

Neste lugar havia um riacho. Águas cristalinas, peixes, uma pequena enseada arenosa. Havia pedras e rodamoinhos. Era o lugar preferido do meu pai em suas pescarias. E eu, criança, me divertia nas águas e na areia. Perseguia pequenos peixes e girinos, espantava borboletas. Do outro lado da margem a mata florescia e, de lá, vinham pássaros e pequenos animais. Neste lugar eu sonhava morar um dia.
Neste lugar havia um riacho. O riacho da minha adolescência, não tão puro, mas ainda belo. As águas, mais escuras, continuavam a correr ligeiras, e ainda se viam peixes, mas não serviam para a pesca, havia risco de contaminação. A enseada arenosa onde eu outrora brincava havia sido tomada pelo capinzal. O lugar continuava belo, as pedras ainda firmes no mesmo lugar. Só faltava a figura serena de meu pai em sua pescaria. A mata raleava do outro lado, e ainda se viam pássaros e flores. Ainda era meu lugar preferido, o lugar onde eu levava minhas namoradas para passear. O lugar onde eu sonhava construir minha casa um dia.
Ainda havia o riacho. Adulto, eu olhava entristecido as águas lodosas que se arrastavam, as margens cheias de entulho e espuma. Um riacho moribundo, cansado, judiado. Ainda assim aguapés insistiam em povoar aqui e ali trechos mais limpos, e quando floresciam, relembravam um pouco a antiga beleza do lugar. Da mata pouco restava, aos poucos o bairro ia chegando ao riacho. As pedras cobertas de lodo escurecido já não eram tão belas, jaziam ali, inúteis.
E o riacho ainda existia. Na minha meia idade eu o visitava. Mas era um riacho em seus estertores, que se arrastava, carregando o caldo de dejetos humanos e lixo. A natureza já desistira. Nada mais de algas e aguapés, nada de relva ao redor. A mata já sucumbira à voracidade humana, tinha sido substituída por um depósito de lixo, e os únicos animais que se viam eram as ratazanas em busca de baratas.
Até que um dia o riacho, já morto, foi definitivamente sepultado em uma canalização de esgoto. As pedras removidas, tudo em volta aterrado. E vieram as ruas e os lotes e as casas. A civilização.
Neste lugar eu construí minha casa. A casa dos meus sonhos. 
Agora neste lugar há minha casa, meu sonho de infância, mas o riacho, realidade da minha infância, tornou-se apenas lembrança. Agora, no outono da minha vida, apenas um sonho. 
Mas eu sei: neste lugar havia um riacho...

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015