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Maria Rita de Miranda
São Sebastião do Paraíso / MG

 

Aprendi... pela experiência

Às vezes sou tomada por uma sensação de perda. E não é perda de objetos e pessoas. É perda de anos de minha própria vida. Sinto então que este tempo, impossível de ser recuperado, tirou de mim mesma, oportunidades, aspirações, desempenhos.
          Deixo aqui um relato simples e ao mesmo tempo intenso, na esperança de que outras pessoas, que estejam passando ou tenham passado por história igual ou semelhante à minha, possam se sentir reconfortadas e cientes de que não estão sozinhas em seus desafios.
          Desde pequena, até onde as minhas lembranças podem alcançar, me vejo uma menina quieta, medrosa, incerta e insegura. Isto no meio dos meus familiares. Quando chegavam visitas em minha casa o quadro se agravava. Evitava sair do meu quarto evadindo a todo custo do convívio de pessoas fora de minha família. Se inevitável era o contato, me sentia ridícula e já escutava por antecipação comentários do tipo “ela é calada mesmo” ou “é muito fechada”. Nesta hora, já estava diminuída e sofrida com a falta de tato da maneira como se referiam a mim e que me deixava completamente frustrada.
          Cresci assim me achando esquisita querendo me expressar, mas achando que tudo o que eu falava passava despercebido, ou pior, era causa de comentários assim: “até que enfim falou alguma coisa”. Isto me fazia querer falar menos e acabei achando que era natural ser quase muda.
          Na escola fazia o possível para agradar a todos com medo de ser chamada à atenção, pois assim seria por alguns minutos, o foco dos olhares dos colegas. Eu fazia parte de um grupo de amigas, porém até com elas eu me policiava. Evitava dar palpites, respondia às perguntas com monossílabos, enfim estava junto a elas, mas trancada para relacionamentos abertos.
          À medida que ia crescendo, eu me esforçava para ser um pouco diferente. Já compreendia que era difícil e sofrido ser tão retraída. Começaram então certas manifestações físicas. Ao teimar em sair da minha mudez começava a transpirar, as palavras fugiam de mim e um rubor teimava em tomar conta de minhas faces. Eu me sentia criticada, observada, avaliada. Sofri muito, pois não tinha com quem comentar minhas misérias. Muitas vezes, fantasiava me vendo uma pessoa completamente diferente de mim mesma. Falante, comunicativa, interessante. Quando saía do devaneio mais medo sentia de dar vexame.
          Passei anos e anos carregando a carga pesada da minha timidez. Vi oportunidades serem desperdiçadas. Pressenti julgamentos negativos que nem existiam. Deixei de me manifestar quando sabia a solução de problemas profissionais. Omiti boas opiniões que sabia possuir por medo de ser depreciada. Enfim eu não podia ser o centro das atenções.
          Foi através de um esforço, para mim sobre-humano, que aos poucos fui me desprendendo das amarras de minhas frustrações. Devagar e por necessidade que a vida me impunh, fui me acostumando a falar frente aos colegas de trabalho, sem sofrer tanto. Aprendi que ser avaliada e julgada fazia parte da vida e passei a suportar com mais naturalidade ser observada.
          Hoje, ainda com resquícios de traços de timidez, mas bem resolvida, olho para trás e sinto que “um basta” poderia ser dado na época que eu ainda era criança, se passasse por um tratamento médico ou psicológico -apesar de não saber se naquela época já existiam- pois a timidez é um transtorno e como tal acaba por transtornar uma vida e pode ser tratado com sucesso.
          Nunca, mesmo depois de adulta, passei por qualquer espécie de tratamento e me arrependo por isto. Aprendi pela experiência que é a forma mais difícil de aprendizagem. Suportei comentários que não gostava, passei por arrogante, despertei rejeição. Passei por cima de tudo atropelando os meus mais recônditos sentimentos. Empenhei-me em mudar e com fé e dedicação pude fazer vir à tona a essência que cada um tem dentro de si. Com certeza valeu a pena.

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015