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Lourival da Silva Lopes
União / PI

 

Bichos e gentes

 

Chegara de mansinho. E fora se acostumando com as pessoas. Ganhara afeto, comida, aconchego e até um nome: Raul. Era um gato cinza, com pintas brancas. Todo mundo que chegava a nossa casa se afeiçoava ao bichano. Simpatia gera simpatia. Percebi que as atenções, em casa, se direcionavam ao gato. Chamegos, agrados, carícias, até cantiga de ninar cantavam para o gato dormir. Diminuíram, por causa disso, as atenções a mim. Então, eu pensei em um plano de tirar aquele gato de minha casa.
Confesso que nunca gostei de bichos. Sou humano e vivo no meu canto. Acho que os bichos devem viver, cada um, em seu canto. Bicho e gente, juntos, não dão certo. As pessoas se apegam demais aos bichos. Eu até pensei: “se bicho não tem sentimento como os seres humanos, como se explica tamanho apego”? As pessoas, algumas, deixam de ter filhos para cuidar de animais. Uma amiga minha, psicóloga, me disse, certa vez, que tinha decidido não ter filho para cuidar de animais. Segundo ela, bicho é melhor de cuidar do que gente.
Eu não concordo, já disse. Bicho é bicho. Gente é gente.
Volto ao meu pensamento de me livrar daquele gato insuportável. Eu havia lido em algum lugar que estão preparando uma viagem, sem volta, a Marte, o planeta vermelho, com gentes que devem se inscrever para a tal missão, pagando uma vultosa quantia. Meu plano: vou inscrever o gato. Como ele possui nome de gente, vou acrescentar-lhe sobrenome, endereço, trabalho, salário, etc. Enquanto preparava o plano, como em um sonho, viajei em uma nave repleta de bichos. Mas eu não estava na nave, de corpo, era uma presença que não sei bem explicar. Eu parecia ser apenas um pensamento que observava. Eu ia junto, em pensamento, mas não estava dentro da nave, como já disse. Sete meses viajando a Marte, observando as transformações dos bichos, principalmente de Raul, o gato querido de todos. A nave era apertada. Havia cachorros, gatos, ratos e patos, espremidos uns aos outros, quietos. Não havia discórdia. Pensei em gentileza que gera gentileza. Quanto mais se afastavam da terra tanto mais quietos ficavam. Mais uma vez pensei: as longas distâncias nos acovardam.  Em sete meses e dez dias, com exatidão, chegamos, meu pensamento e os bichos, a Marte. Estranho. Nem um sinal de nada. Nem vento nem poeira. Tudo parado. Os bichos saem da nave. E algo estranho começa a acontecer. O pelo dos cachorros, dos gatos e dos ratos começam a crescer rapidamente, tornando-se muito mais espesso do que lã de ovelhas bretãs. As penas dos patos ficaram enormes e bem largas, enrolando as pontas como os fios do bigode de Salvador Dali. Raul se destacava entre todos os bichos. Cresceu uma enormidade. Se transformou em um gato gigante, todo coberto de pelos que se arrastavam pelo chão vermelho. Toda vez que Raul sacudia seu corpo e balançava seus pelos, cachorros, os outros  gatos e os patos imitavam o gesto. Se caminhava para um lado, os outros bichos o acompanhavam. Começaram a se afastar da nave, sempre com Raul, a gato gigante, à frente. Para acompanhar o gato, os outros bichos corriam. Pareciam todos satisfeitos. Depois de caminharem alguns quilômetros, avistaram uma máquina com pneus e duas espécies de asas, lembrava um robô. Aproximaram-se. Era a sonda Curiosity, que os americanos haviam enviado a Marte para fazer a sua exploração, principalmente fotografá-lo. O gatarrão Raul subiu em cima da Curiosity, muito curioso e começou a girá-la para um lado e para outro. A sonda sentindo o peso, pois cachorros e gatos peludos mais os patos plumados haviam se acomodados sobre ela, começa a soltar “flashs” enlouquecidamente. As luzes dos “flashs” se espalhavam e faíscavam por todos os polos do planeta. Eis que, de repente, de forma inesperada, um buraco enorme se abriu, engolindo a sonda e todos os bichos.
Sinto alguém bater em meu ombro. Espanto-me. Ainda estou confuso.
- O que houve? –Pergunta minha mulher.
- Nada. Só viajei. E fui bem longe.
- Com alguém especial?
- Não. Foi apenas um pensamento.

 

 

   
Publicado no livro "Contos de Outono" - Edição Especial - Junho de 2015