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Marcio J. S. Lima
João Pessoa / PB

 

A política em Tobias Sovaco de Cobra


A cidade já estava calma e a ave de Minerva há muito já havia alçado vôo. Foi quando subitamente passou por Tobias Sovaco de Cobra um carro estampado com um imenso adesivo contendo o seguinte escrito: Para vereador João Casagrande: porque o povo quer.
Faltavam 33 dias para as eleições municipais, a cidade estava agitada com o pleito, por toda parte havia propaganda, as ruas estavam sujas com letreiros, placas e santinhos. Ele sabia muito bem que em política não há santos, 99,99 % dos candidatos estão ali apenas para usurpar o dinheiro dos impostos que os cidadãos entregam ao sistema. Sabia também que a intenção daqueles candidatos, longe de ser o trabalho honesto em prol da atividade pública, era comprar casas, carros e fazendas. Mandar a filha para a Disney, colocar uma prótese de silicone na esposa, conseguir um bom emprego, desses que você só precisa passar lá para assinar o ponto, para os familiares e encaminhar o filho para ocupar seu lugar futuramente.
Quando o dia amanheceu Tobias levantou e, completamente permeado por suas elucubrações, dirigiu-se até a feira de Oitizeiro e comprou uma arma. Era uma arma negra, parecia a face descorada da morte. Tinha o cano longo como o túnel que dá acesso ao inferno, sua coronha era macia como à voz das sereias que cantaram para Homero. A munição era delgada, delicada e trazia consigo o espírito que apavora as mães daqueles que por ela é tocado. Tobias Sovaco de Cobra pegou carinhosamente a arma guardou em sua cintura e dirigiu-se para o comitê mais próximo que conhecia.
Chegando ao comitê, apresentou-se e disse que queria falar com o Dr. Januário de Assunção, candidato a vereador pelo PSL – Partido Socialista Liberal. Na verdade, Dr. Januário de Assunção não era doutor coisa nenhuma, nem mestrado ele tinha, apenas fez uma graduação em Medicina com o dinheiro do pai que era empresário.
_ Por favor, senhor diga o que lhe trouxe até aqui. O que você deseja? Precisa de telha, tijolos, cesta básica ou prefere dinheiro?
_ Gostaria apenas que o senhor falasse sobre o seu projeto político.
_ Eu, quando eleito, pretendo trabalhar pela comunidade carente, lutar pela educação, saúde, pelo pequeno produtor, pelos mendigos. Quero lutar para que seja reforçada a segurança em nosso bairro, a criação de creches e abrigos para idosos. Vou elaborar um projeto para aumentar o salário mínimo, o número de empregos. Lutarei pelos marginalizados, homossexuais, afro-descendentes e prostitutas.
_ Como o senhor é mentiroso! Qualquer imbecil, estúpido e ignorante sabe que o senhor tá mentindo. Mas isso não vem ao caso, estou aqui para convidá-lo a concorrer uma vaga de vereador que ocorrerá em breve no mármore do fogo do inferno. Aqui esta sua passagem. Tobias plantou duas azeitonas na testa do ilustre candidato, os tiros foram tão certeiros quanto à flecha que o cupido almeja nos corações dos apaixonados.
Dirigiu-se até a residência do próximo candidato, o Sr. Crispim Colorado. Homem eloquênte, treinado na arte da oratória, concorria ao segundo mandato. Seu patrimônio em pouco mais de três anos já havia triplicado, seus filhos estudavam nos Estados Unidos, sua esposa abrira uma boutique de luxo e sua casa de tão ornamentada parecia mais os jardins suspensos da Babilônia.
Tobias foi muito bem recebido, ofereceram-lhe cafezinho, suco, água... Ao entrar já foi logo dizendo:
_ Prezado Sr. Crispim vim lhe trazer um honroso convite. O senhor será vereador do inferno pela chapa do satanás.
Meteu-lhe uma bala na cabeça que do furo ficou saindo fumaça como se fosse um vulcão que acaba de entrar em erupção. Saiu correndo e na esquina encontrou o palhaço Pichuleta distribuindo os santinhos de sua campanha. Falou o palhaço:
_ Caro amigo sou artista de rua há muitos anos, sou uma pessoa humilde, quero incentivar a arte de nossa cidade, sou candidato a vereador pelo PAC – Partido anarquista cristão – e conto com o seu apoio.
_ Ajudar a arte!?! Você ta é querendo mudar de vida e se dar bem na política. Vou lhe dar a chance de seguir carreira na política, só que vai ser lá no olho do furacão, lá no quinto fosso do oitavo círculo do inferno.
Tobias Sovaco de Cobra meteu três tiros no miserável palhaço que ficou no chão a estrebuchar. Rapidamente recarregou a arma e se retirou correndo do ressinto. Dali pra frente Tobias tomou gosto pela coisa, matava todos os candidatos que conseguia encontrar. Matou o padre Jesuíno Lopes que tentava o seu quarto mandato, o pastor Manoel Timbúcio, Camilo Pestanejo da Padaria e até Tristão Albuquerque que era funcionário público e tinha se candidatado apenas para ficar alguns meses afastado do ofício. A última vítima foi Dona Maria a presidenta de uma ONG chamada “mulheres que revolucionarão mundo”.
Dona Maria era candidata pela terceira vez, nunca ganhara uma eleição. Após um longo e caloroso diálogo sobre seus planos na política, Tobias fez a seguinte observação:
_ Dona Maria, respeito a sua vontade de exercer um cargo público, mas a sua eloquência não condiz com as suas atitudes. Nós dois sabemos que a sua ONG é só uma forma de explorar o dinheiro do governo, pois de útil ela não tem é nada. Nunca vimos seu trabalho, nunca vimos resultados práticos de sua ONG, apenas sabemos que ela existe e se existe é porque ali entra dinheiro e se entra dinheiro é porque o governo paga e se o governo paga e com os nossos impostos. Por isso Dona Maria, considero a senhora uma forte candidata a vereadora no mais antigo local subterrâneo habitado pelos demônios.
Em seguida Dona Maria caiu atingida pela bala que perfurou o seu coração fazendo um enorme buraco em sua alma. A esta altura a cidade inteira já havia tomado conhecimento de um certo “psicopata” que estava realizando assassinatos em série. Todas as guarnições de polícia rapidamente se dispuseram a capturar o famoso “eleitor assassino”, nome pelo qual Tobias ficou conhecido. E não era pra menos, Tobias havia mexido com gente “importante” da sociedade. Horas depois, o assassino foi preso e enviado ao sanatório.

 



   
Publicado no livro "Seleção de Contos Premiados" - Edição Especial - Junho de 2014