Rô
Mierling
Passo de Torres / SC
Desencontros
Vera era uma moça diferente. Começou a trabalhar
com 14 anos. Lia muito, gostava de política e de cinema,
nascida pobre, nunca teve recursos, mas o que vinha a sua mão
ela lia e aprendia.
Com 18 anos terminou o segundo grau e só não fez
uma faculdade porque, se a faculdade era pública era muito
concorrida e tinha que fazer cursinho para passar e se era particular
ela não tinha dinheiro para pagar. Era uma dessas ironias
da vida.
Vera conseguiu um emprego em um supermercado, foi de caixa a gerente
de setor. No entanto, Vera tinha um lado muito complicado da sua
personalidade. Ela não conseguia desenvolver relacionamentos
amorosos saudáveis. Algo nela chamava os rapazes, mas os
afastava no dia seguinte. Ela tinha dificuldade em relação
à inteligência emocional. Passou a aceitar os mais
diferenciados relacionamentos desde cedo, quando já no
ginásio suas amigas tinham namoradinhos fixos e para ela
só sobravam rapazes sem boas intenções.
Era uma moça bonita, beleza simples, singela e ao se olhar
no espelho, Vera buscava o motivo pelo qual não conseguia
manter um relacionamento saudável. Na sua vida, eram rapazes
comprometidos, com má índole e com vícios,
os bons rapazes ela nunca atraia. Vera tinha algumas amigas que
a incitavam a ser “diferente”:
- Libere-se, ceda, aventure-se mais – diziam as moças
“modernas”.
Pensando ser isso o que estava faltando, Vera perdeu sua virgindade
com um marinheiro que depois descobriu ser noivo de uma boa moça
do interior do Estado. Sozinha, de novo Vera desiste de relacionamentos
saudáveis e se volta novamente para relacionamentos complexos
e sem valores afetivos, só que agora cedendo sempre. Ela
procurava o amor romântico, de revistas, com respeito e
consideração, mas acabava sempre nos mesmos lugares,
com os mesmos rapazes de más intenções.
Em outra ponta da cidade, Álvaro, rapaz não muito
bonito, mas estudioso, tendo passado na faculdade para o curso
de Pedagogia, procura em vão por uma moça que seja
similar ao que ele aprendeu que uma boa moça deveria ser.
Ele não frequentava festas, ia pouco a praia e quando estava
disposto a conhecer pessoas diferentes e quem sabe achar a tal
moça que se enquadrava em seus tão sonhados padrões,
ele ia ao shopping da cidade e caminhava por horas a fio buscando
um rosto que lhe passasse a serenidade e dignidade procurada.
Seus amigos diziam que ele deveria “pagar todas”.
Mas ele resistia e ainda virgem, colocava seus estudos em primeiro
lugar, seu trabalho em segundo e o amor virou uma busca, não
eterna, ele não era tão sonhador, mas acreditava
que sim, em algum lugar alguém estaria esperando para se
encontrar com ele.
Era sábado, Vera e Álvaro foram ao mesmo shopping
e na escada rolante ela deixou sua sacola cair, ele se abaixou
e entregou para ela. Ela olhou nos olhos dele, como sempre gostou
de fazer quando falava com outra pessoa e disse:
- Muito obrigada, você é muito gentil!
Ele assentiu com a cabeça, mas ficou intrigado, ninguém
falava assim. É um “obrigada” e pronto. Ela
parou na lanchonete, pediu um suco, não uma cerveja ou
refrigerante como as moças que ele conhecia e sim um singelo
suco. Ele ficou mais intrigado e se aproximou:
- Posso sentar com você?
- Pode claro! – Vera respondeu.
Conversam por horas, gostos parecidos, ideias e convicções
similares. Encontraram-se um no outro. Apaixonaram-se. Marcaram
então para sair juntos, um cinema quem sabe, no próximo
sábado.
Ambos aflitos, ela mais, ele um pouco menos, passaram a semana
contando os dias. Ela não sabia o que vestir, ele não
imaginava o que deveria falar e como a noite iria terminar.
Encontraram-se no sábado, foram ao cinema e assistiram
uma comédia, em seguida ele a convidou para ir a uma pizzaria,
ela aceitou, conversaram por horas, riram muito. Nesse momento
ela percebeu que tinha encontrado alguém diferente, interessante,
inteligente e que combinava incrivelmente com ela. Estava apaixonada.
Ele por sua vez, mal podia acreditar que tinha razão, alguém
estava esperando por ele na estrada da vida. Ela pediu licença,
foi ao banheiro e olhando-se no espelho se indagou:
- “De que tipo de fim de noite ele deve gostar? Não
quero perdê-lo e conforme as minhas amigas “modernas”
devo ser liberal, ceder, para não perder. Eu queria tanto
ir devagar, com calma, aproveitando cada segundo, mas sei que
assim ele vai se cansar”.
Ela resistiu, mas no fim decidiu-se, já sabia o que devia
fazer, sabia o que ele, assim como todos os outros homens, queriam
na realidade.
Ele por sua vez, à mesa esperava Vera, imaginando pegar
um táxi e ir deixá-la em sua casa, sabendo que não
devia fazer nada que a assustasse ou que a deixasse com má
impressão a seu respeito. Afinal, ela era a personificação
da dignidade, do respeito, da boa moça que ele sempre procurou.
A noite terminava e ele perguntou se podia deixá-la em
casa e ela aceitou. Chegando ao apartamento que ela dividia com
uma amiga, ela o chamou para subir por mais uns minutos, ele acanhado
estranhou, mas aceitou.
Eles subiram e ela alegando que dividia o apartamento com uma
amiga, sugeriu que eles passassem para o quarto dela, lá
poderiam ficar mais a vontade. Ele novamente estranhou, mas seguiu-a.
Eles entraram no quarto, a porta se fechou, ela se atirou em cima
dele no afã de não perdê-lo, de agradá-lo,
rapidamente o acariciando enquanto tirava sua própria blusa
e sutiã.
Ele se assustou e a afastou indignado, decepcionado, abriu a porta
e se foi para sempre. Ela sem entender nada sentou na casa e chorou:
- “Quase consegui, porque não dá certo nunca?”
– chorava ela.
Ele na rua se questionava que tipo de garota atraia o rapaz para
seu quarto e fazia o que ela fez. A vida acabava de perder uma
oportunidade de ver um casal feliz.
Vera nunca mais viu Álvaro. Álvaro viu Vera uma
vez de relance após anos, boa memória, reconheceu-a
no supermercado, mas fingiu que não viu e foi-se, ainda
sem entender como uma moça aparentemente tão digna
e boa de coração podia ter se comportado de forma
tão estranha e depravada.
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