Lourival
da Silva Lopes
União / PI
Doente dos olhos
- Meu filho, se eu e tua mãe morrêssemos,
hoje, o que farias?
Era de manhã. Uma chuva fina enchia de orvalho as folhas
das árvores. E o frio intenso entrava pela porta entreaberta
da cozinha, onde eu tomava café, de um lado da mesa, enquanto
ele, do outro lado, enchia a sua xícara de leite. “Se
eu e tua mãe morrêssemos, hoje?” A expressão
brusca lhe fez erguer a cabeça, arregalando os olhos para
mim. Diante do impacto da pergunta e do susto, a sua cabeça
formigou pensamentos:
- E se eu morresse, agora, pai? O que vocês fariam?
A pergunta me calou por um momento, até porque eu esperava
uma resposta bem explicada e não uma pergunta.
Não me contive e me lembro de ter-lhe dito:
- A morte é o consolo dos fracos e o lamento dos fortes.
E, também, o sofrimento dos dois. Fatos que não
os percebo em ti.
A chuva aumentara, como se sepultasse o silêncio. Mas continuei
firme.
- Eu faria provavelmente a mesma coisa que tu farias. Experimentaria
uma nova vida. Sem ti, é claro. Lamentaria muito a tua
morte. Mas me daria uma chance para aceitar o mundo sem ti.
-Lamento a forma como o senhor pensa. Na verdade, o mundo perderia
muito sem mim.
- Como assim?
- Pai, entenda uma coisa: eu sou um artista. E os verdadeiros
artistas não se preocupam como vão viver, se com
ou sem alguém. Eles se preocupam é com a sua arte.
E eu me preocupo mesmo é com a minha arte. Se vocês
morrerem não há o que lamentar. O que vocês
fizeram? O que vocês criaram? Nada. Não fizeram nem
criaram nada. Vocês não são artistas. Vocês
são pessoas normais, de vida monótona, que querem
bem-estar. A minha vida é diferente. Aliás, eu nem
penso nela, porque viver para mim é criar. Se eu morresse
agora, vocês certamente continuariam a ouvir falar em mim,
através da minha arte. Eu sou um artista e artista não
morre nunca. Eu não penso em Goethe, em Van Gogh, em Da
Vinci, em Strauss, em Averrois, em Tagore, em Shakespeare, em
Dali, em Picasso... eu não penso. Eu não penso,
porque, como diz Alberto Caeiro: “Pensar é estar
doente dos olhos”. Eu quero é olhar as coisas, senti-las
ao meu redor e não pensar no mundo e na morte. A morte
não existe. O que existe, de fato, é a vida. Não
nascemos para a morte. Nascemos para a vida.
Eu havia pensado em outra reflexão, no entanto eu precisava
ouvir o que ouvi. Agora eu entendi o que Alberta Caeiro propôs:
- “Amar é a eterna inocência, e a única
inocência é não pensar”.
|
|
|
|
|