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Jorge
Braga da Silva
A melancia mortal
Foi só no terceiro dia que Deus criou a melancia. E viu
Deus que a melancia era boa e disse: "Crescei e multiplicai-vos".
E a melancia, muito mais obediente do que certos humanos, que
só apareceriam três dias depois, tratou de se reproduzir
e se espalhar pelo mundo todo. E meu tio Zevaldo viu a melancia e a comeu. E também viu
que a melancia era boa e durante toda sua vida, meu tio Zevaldo
comeu e gostou de melancia. Mas não era só de melancia
que ele gostava. Quando ainda adolescente, passou a apreciar também
uma branquinha, água que passarinho não bebe. Cachaça
mesmo, sem eufemismos. A vida de arrendatário não era fácil. O
trabalho era duro, os custos das sementes e dos implementos agrícolas
eram elevadíssimos. A cidade era longe e ninguém
tinha dinheiro para diversão. Portanto, no pouco tempo
de lazer disponível, os peões ouviam rádio
e bebiam cachaça nos terreiros em torno dos galpões
onde dormiam. Numa dessas ocasiões, num dia frio de julho,
meu tio, desesperado por um trago, procurou e não achou
uma só garrafa da marafa. Em lugar nenhum ele achou. E
nenhum outro peão tinha cachaça, nem meu pai. Então
meu tio misturou água com álcool num copo e, ali
mesmo, matou sua vontade. Não vendo futuro no Pontal, ele foi embora para São Paulo onde casou-se e foi morar em Perus. Por muitos anos trabalhou na companhia de vidros Santa Maria e a maior parte do tempo no período noturno, o mais evitado pelos trabalhadores por ser muito cansativo e insalubre. Mas para meu tio Zevaldo não tinha tempo ruim. Ele encarava todo serviço que vinha. “Aqui tem café no bule”, ele costumava dizer. E por isso foi funcionário muito apreciado pela empresa por mais de vinte e cinco anos. O barraco onde ele morava em Perus era pequeno, todo de madeira
e a parede de trás ficava encostada num morrete até
mais ou menos um metro de altura. Algumas tábuas dessa
parede, não suportando a pressão, cederam um pouco,
de modo que havia terra entrando para o interior da moradia. A
esposa dele fazia o possível para manter a limpeza, mas
era tudo precário naquele barraco. Por muitos anos, meu
tio se recusou a reformar, mesmo com os insistentes pedidos de
sua mulher. Quando eu o visitava, ela aproveitava e fazia suas
lamentações e meu tio sorria e justificava-se dizendo: Em suas folgas do serviço, Zevaldo não saia de
casa. Ficava só tomando pinga e fumando. Uma ou duas garrafas
e um maço de cigarros por dia. Mas na véspera de
ir trabalhar, nunca bebia. Também nunca bebia em bares,
só em casa. A mulher reclamava, aconselhava, mas os anos
iam passando e Zevaldo não mudava. Antes de ele morrer fui visitá-lo no hospital. Ele estava
numa enfermaria coletiva. Tinha gente agonizando numa cama ao
lado. Ele, cadavérico, estendido sobre a cama - menos branca
do que ele - recebeu-me com um sorriso sem graça. A esposa
ao lado dele. Conversamos. Ele disse tristemente:
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Publicado
no livro "Seleção de Contos Premiados" - Edição
Especial - Junho de 2014 |
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