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Rosimeire Aparecida de Sousa
Martinópolis / SP

 

A benzedeira

  


Dona Francisca era muito conhecida nas redondezas, mas ninguém a chamava pelo nome, era conhecida por dona Chiquinha, uma senhora “porreta” como a própria comunidade dizia. Uma senhora muito simples, já de idade mas sem precisar ao certo quantos anos tinha, pelo tempo e pelo sol castigada, na face os vincos chamando a atenção, claro que o sol já havia marcado muito sua pele “curtido” como se dizia ressecando-a com certeza, nos olhos uma catarata que pacatamente dizia ser submissa da idade. Era pequenina, frágil, delicada, já “arcada” como se tivesse o mundo todo carregando nos ombros e no coração, apesar de todo este jeitinho era forte demais e tudo isto lhe impunha ainda mais respeito e consideração. Morava sozinha em um barraquinho construído com esmero por meio da própria sociedade em terra dada por um grande fazendeiro da região, ficava lá na encruzilhada das ruas que não possuíam fim, somente um pouco distante de tudo, no entanto muito perto a ponto de que todos lhe visitassem.
Ninguém sabia se possuía família, todos sempre a conheceram assim, não se tinha notícia de algum parentesco que por ali vivia.
Dona Chiquinha na cidade tinha muitos afilhados, na pequenina e pacata vila onde todos se conheciam muitas famílias a amavam e a tinham como a vovozinha querida e lhe levavam os filhos para visitação.
Ela era acima de tudo a médica, curandeira, benzedeira, a farmacêutica da região, entendia muito e de tudo um pouco, sabia de todas as ervas, nome, significados e para que serviam, receitava, indicava e curava, sem demasia ou demagogia, as crenças e buscas por cura sempre paravam ali.
As mães desesperadas levavam suas crianças que tivessem “mau-olhado”, “tremedeira”, “dor de barriga”, “lombriga”, “frieira”, “nó nas tripas”, “ventre virado” “febre” e tantas outras doenças que existissem ou fossem fantasia, para que a vovozinha benzesse ou ao menos um remédio pudesse recomendar, eram muitas as ervas, as “garrafadas”, “xaropes” feitos com carinho, muitas e muitas recomendações que eram transmitidas com o conhecimento que só ela tinha.
Também benzia com seu galhinho de erva santa, onde se dizia que o “mau-olhado” curaria a medida que a “reza” fosse feita e o galhinho murchasse, não se sabe se ele murchava devido mesmo ter pego o “mau-olhado” ou se era porque murchava com o tempo fora da planta.
Até mesmo o médico com ela buscava se consultar, quantas e quantas vezes que o “doutô” saía de lá escondido com medo de ser reconhecido e por a medicina popular frequentar.
O farmacêutico por sua vez não se importava de perder muitos clientes, uma vez que as pessoas procuravam utilizar os meios naturais ou então o que recomendava a curandeira/benzedeira secular.
Assim era dona Chiquinha, uma mulher e figura ímpar na comunidade, querida por todos, sem muitos estudos, que impunha respeito e era tratada de forma singela por todos independente do grau e da condição.
Um dia, em noite escura, onde muitos olhavam a lua, na pequena “tapera” houve um balbuciar, era dona Chiquinha que tanto dos outros cuidou mas não conseguiu de si cuidar, uma cobra gigante em sua casa entrou, quando ela se deitou a cobra que debaixo de sua cama estava em um bote único veio a lhe picar, ela que muito sabia no entanto não pode sequer a outro ensinar para dela cuidar. 
A vovozinha sempre atenta cuidava do seu povo com carinho e atenção, não conseguiu e nem teve tempo de uma “reza braba” impor a e lhe espantar. Uma mordida certeira veio acarretar, a noite, dia  e outra noite fez com que a senhora franzina em sua casa passasse a definhar, só depois de dois dias inteiros quando a “cumadi Rosa” veio buscar uma “garrafada” para curar um problema a encontrou já agonizando, não tinha quem a salvasse, todos da comunidade ficaram atentos, médico, farmacêutico, padre vieram correndo em busca de com ajuda fazê-la melhorar.
Ao fim de uma semana a dona Chiquinha já sem forças não aguentou e com Deus foi morar.
A choradeira foi geral, toda a comunidade ficou de luto, as mulheres com seus terços em oração se puseram na porta da igreja a ficar, o caixão foi velado na prefeitura, era o maior espaço da cidade e nele precisava estar, foi uma comoção geral, flores de todas as cores e tamanhos ali chegou, a todo instante pessoas até da redondeza ali se “achegou” para acompanhar o velório da senhorinha que era tão popular. O prefeito decretou três dias de luto, o que era uma grande deferência, nem mesmo o mais importante fundador da cidade tivera este mérito. Escolas, postos de saúde e tudo mais paralisaram suas atividades afinal de contas o velório da dona Chiquinha era o mais especial.
O enterro foi de um “chororô” danado, a multidão dela queria se despedir, com a ajuda de todos, todos mesmo e que um dia sua casinha tinham construído agora no cemitério uma capelinha tinham feito para nela a dona Chiquinha descansar.
O tempo passou, até hoje o túmulo dela é o mais visitado, alguns dizem que já a viram caminhando lentamente pela cidade, a outros a história é diferente nela se apegam e milagres lhes são concernentes, só sei dizer uma coisa, a dona Chiquinha passou nesta vida como uma luz que muito bendisse e conseguiu uma comunidade toda conquistar.
A vovozinha da cidade com doçura e com candura se tornou não somente em vida uma pessoa popular como também depois de morta uma figura ilustre e muito reconhecida, em sua memória na praça central da cidadezinha uma estátua em homenagem está, uma rua bem bonita também com seu nome foi creditada.
Até hoje a romaria em seu túmulo é grande, os feitos de dona Chiquinha de geração em geração estão sendo transmitidos, alguns conseguem de seus remédios recordar e ainda os utilizam. Sua santidade a comunidade quer glorificar e até com o santo padre já foram falar.
Esta é a história de uma senhora simples que no meio do nada morava, no entanto com muita astúcia e coração a toda uma comunidade trouxe ao mapa e consolação.
Viva dona Chiquinha!!!

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de quem passa... de quem entra... de quem sai... " - Dezembro de 2015