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Romilton Batista de Oliveira
Itabuna / BA

 

Um homem que escreveu durante toda sua vida

  

  

Era amigo de todos. Era cavalheiro, cordial, manso e observador. Sua profissão não era elitista nem tão pouco fazia parte das grandes ocupações humanas. Ele era um simples cordelista, porsador e poeta dos sonhos que vivia de seus pequenos e grandes escritos.
                Ninguém o considerava como escritor, com exceção daqueles que compravam seus pequenos escritos e se alegravam e agradavam-se com o que liam. Robespierre Rômulo Romadel Romeu Rivieria era o seu nome de registro, porém, era conhecido por todos com o nome Signilton. Signilton era um jovem que caminhava pelas ruas, à procura de novas palavras, sentimentos, discursos e novos sonhos, para escrever seus folhetins, em forma de prosa e poesia.
                Conversava com todas as pessoas que ele encontrava no meio do caminho. Suas conversas eram sempre longas e prazerosas. Andava o dia todo com o seu caderno e uma pequena caneta que, no decorrer do dia, a inspiração lhe chamava ao ofício de escritor, e ele escrevia, obedecendo às imagens que ele detectava de seu mundo exterior. Para escrever em qualquer lugar, bastava ser tocado pela inspiração que lhe paralizava o corpo e lhe fazia tremendamente escrever. Mas sobre o que ele escrevia? Escrevia sobre dores, sobre o mar agitado, a fome, os desempregados, as crianças brincando, o grande barulho do comércio, as conversas de bares e outras que ele ouvia por trás das cortinas da vida. Acho que ele escrevia sobre tudo. Pois ele era um viajante como nos velhos tempos. Se Walter Benjamin estivesse vivo, diria que ele é realmente um verdadeiro sobrevivente da legítima experiência do quotidiano, um comunicador em seu estado bruto, pois ele vivia o mundo verbal intensamente.
                Não havia tempo bom ou ruim. Com chuva ou sol, lá estava ele, andando pelas ruas sem parar. Tinha uma saúde de ferro. Ninguém nunca o viu doente, nem nenhuma reclamação da vida por parte de Signilton, que fazia das ruas, sua morada. Não tinha lugar para repousar seu corpo cansado da labuta dos dias, mas sentia-se rejuvenescido e fortificado através de seus belos textos escritos.
                Não vivia conforme o luxo dos acadêmicos escritoes de nossa nação, mas escrevia como nenhum outro escritor. Sua escrita era marcada por suas experiências. Sua literatura era alimentada pela alteridade, intercalada de signos vivos que caminham pelas ruas, pedindo passagem. E muita gente de poder aquisitivo tentou fazer a cabeça de Signilton para publicar seus pequenos e grandes escritos, numa dessas famosas editoras, mas Signilton retrucava veementemente, dizendo:
                – Não tenho intenção de ser recolhecido por esta sociedade capitalista e movida pela cultura industrializada, principalmente pela acedemia imperialista que rege as norams da escritura de autores que escrevem de acordo com um determinado pseudo e oculto público, satisfazendo o poder emergencial da produção cultural e industrial que impera em nosso país e no mundo inteiro. Escrevo, sim, para viver melhor, e a minha vida está completa, porque não me sinto preso às estruturas de poder nem falsamente livre, amarrado às ideologias dominantes. Sinto-me um passageiro da poesia e da prosa poética que veio ao mundo apenas para sentir o seu movimento, fora desse “caos-mundo”, criado para dar um certo e estranho sentido à humanidade.
                Signilton não se sentia rico nem pobre. Nunca apreciou essas dicotomias e diferenaças, criadas pelo homem para melhor escravisar o seu semelhante. Seus textos estão repletos de vozes desgarradas do centreo, vozes que agradam aos seus leitores, mostrando-lhes que há uma outra forma de ser e estar no mundo, criando mundos e sonhos que o homem nem sonhava em seus esconderijos humanos.
                Signilton nunca se mostrou inseguro. Nunca se permitiu ser enganado ou ser “vendido” por aqueles que o procuravam para negociar seus escritos ou mesmo comprá-los. Ele tinha algo que a humanidade vem perdendo desde os tempos primitivos de sua criação: a essência humana de justiça e cidadania. Ninguém nunca encontrou nele qualquer falha de corrupção. Signio, apelido dado por seus amigos mais próximos, dizia que ele era muito diferente de todos os homens da terra. Signio conversava sorrindo e expandindo alegria, e ao mesmo tempo, encantando toda a gente que parava para ouvi-lo. Ele recitava seus poemas e contava grandes e maravilhosas histórias, histórias essas que ele retirava de sua experiência com a realidade vivenciada por ele mesmo. Ele era um viajante. Não ficava muito tempo em algum lugar. Sentia sempre a necessidade de caminhar, conhecer outras gentes, outros pensamentos, outros costumes, outros caminhos.
                Em suas andanças, ele conheceu muita gente. E quanto mais ele andava, mais gente ele conhecia, mais cultura apreendia, mais signos ele agregava ao seu vasto e extenso vocabulário; e quanto mais ele conhecia, mais escrevia; e quanto mais ele escrevia, mais se fortalecia, mais se tornava humanamente experimentado pela vida.                 Conheceu de tudo, da maldade e da bondade, mas nunca preferiu ocupar nenhum desses dois lugares porque ele não gostava de dualismos. Ele se sentia sempre como passageiro deste mundo em transe. Ele se sentia como um transeunte que veio ao mundo dar um exemplo através dele mesmo, de sua história, de sua caminhada, de suas escritas, laboriosamente produzidas por vivas vozes que ele encontrava em seu caminho.
                Um dia ele se perguntou?
                – Tenho escrito muitas coisas sobre o humano na terra. Tudo o que eu escrevi são registros do que o meu olho viu em minhas andanças. Sempre escrevi sobre o outro, mas nunca escrevi sobre mim. E de repente, Signilton percebeu que ser Signilton não é a mesma coisa que ser Robespierre Rômulo Romadel Romeu Rivieria. Este nome registrado por seus pais, nada lhe representa. Há mais de trinta anos, as pessoas me chamam de Signilton. Por que será? Começou a interrogar? E logo, a resposta, apressada e repleta de águas moventes, veio-lhe ao encontro. Chegou à conclusão de que, em sua vida, ele nunca foi Robespierre Rômulo Romadel Romeu Rivieria. Ele sempre foi Signilton, o homem que durante toda a sua vida sempre esteve a andar e a escrrever. Descobriu que em tudo o que escreveu, ele estava lá presente, dentro de cada signo exposto; era o personagem/narrador principal, pois, foi lhe dado a capacidade que só poucos na Terra receberam: a capacidade de sentir o mundo, de escrever para ensinar o mundo a viver melhor.
                Um dia, longe de tudo e de todos, ele se recolheu a um pequeno abrigo, próximo de uma sombrosa árvore. Pegou a caneta e o caderno, e começou a escrever, bem divagar, seus últimos escritos. As palavras já não eram mais como antigamente. Elas estavam cansadas e meio fragmentadas. Percebeu Signilton que sem a força de seu corpo, as palavras não sobreviveriam, e pela primeira vez chorou, e pela primeira vez a tristeza bateu em seu rosto. Encostou lentamente seu pescoço sobre a amiga árvore, e antes de dar seu último suspiro, recitou:
             A vida passa, as palavras passam
            Mas quando morremos, elas se ressuscitam e se renovam
            E vão à procura de novos lugares e novos seres especiais
            Para se moverem em sua potente forma de ser
            E eu que estou a partir, sinto que eu estou a nascer de novo
            Porque consegui entender a vida e a vida me entendeu
            Consegui fazer das palavras minha morada de paz
            Consegui, sem a ajuda desta academia imperialista,
            Dar o melhor de mim para esta humanidade faminta
            Faminta por vida, por versos, por sonhos, por liberdade.
            Hoje parto porque consegui completar os meus dias
            Cumprindo a minha missão, de forma simples e humana
            Porque fiz da vida uma grande construção
            Fiz da vida, sem machucar ninguém,
            Minha prosa e meus versos, feitos com o azul das estrelas:
            Um espaço meu que eu divido com os meus leitores
            Em especial, esta árvore que agora me acolhe com todo o seu amor.
                A árvore, beteu seus galhos, mexendo o seu tronco, deixando cair de si, em forma de orvalho, uma lágrima de tristeza profunda, pois sabia que estava partindo um homem feito de ouro e do azul dos céus. E, pela primeira vez, a árvore sentiu feliz porque estava acolhendo alguém muito especial que veio ao mundo e cumpriu a sua missão, e disse, bem baixinho:
                – Vai, porque o seu cântico é de aço e renovou toda a minha vida. Não sou mais o mesmo. Agora tenho orgulho de ser o que sou: a árvore que deu sombra ao corpo que veio ao mundo fazer diferença, por meio de seu exemplo.
                – Vai em paz, amigo! Dorme o seu sono profundo! Vai ao encontro da Luz porque jamais eu esquecerei que eu fui escolhida para ouvir seus últimos versos.
                Depois de muito tempo passado, foi construído, ao redor daquela especial árvore, um lindo jardim, batizado com o nome do grande escritor, conhecido por todos como o nosso querido Signilton. Assim, quem visita esse jardim, ouve lindas vozes, lindos contos, lindos versos. Não sai de lá como entrou. Sai completamemte regozijado.

 

 
 
Conto publicado no livro "Contos de quem passa... de quem entra... de quem sai... " - Dezembro de 2015