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Neri França Fornari Bocchese
Pato Branco / PR

 

Havia um tempo ...

 

 Era ele, um tanto diferente dos dias atuais, embora o Sol surgisse sempre ao mesmo tempo por detrás dos montes e percorresse o mesmo trajeto aparentemente, ainda no final do dia, tinha disposição para proporcionar um espetáculo único. Embora seja na mesma direção desde os primórdios da vida, as nuanças, a dança, apresentada na abóboda celeste, se faz uma só, em cada dia. Não há repetição.
Assim, naquele tempo, tudo corria dentro de uma calmaria. O relógio era só uma questão de organização, não servia para a tirania. Era   mais um enfeite. Sabia-se ver as horas, pela posição do Sol.
Embora a água fosse tirada do poço com um balde, amarrado a um peso, para afundar e encher na mina d´água. Pendurado por uma soga,  com uma manivela, cheio de água fresquinha, era puxado para cima. O braço trabalhava, cansava. As crianças, algumas vezes, precisavam dum banquinho, para alcançarem a manivela.
O tanque, de madeira, para lavar roupa, longe da casa, pois era posto, onde tivesse, um olho  d’água. A roupa esfregada numa tábua, com a mão ou uma escova. Algumas lavadeiras, tinham uma espécie de pá de madeira, para ajudar na limpeza.Lavada era estendida nas macegas.
E, no final da tarde, ainda sobrava tempo de tomar um bom chimarrão.
As verduras, os legumes, colhidos na horta. Tudo plantado com carinho. A terra bem adubada, com o esterco da vaca.
O leite tirado de manhã e de tarde. O animal, solto no potreiro para pastar, a estrebaria limpa. Trabalho diário. No cocho, o milho debulhado, as espigas restolho, a alfafa. Era uma lida.
Ainda se fazia o queijo. Ficavam guardados na dispensa, precisavam serem lavados todos os dias, até ficarem mais secos. Tinha a puina, uma delícia. Feita com o soro que sobrava, depois do queijo estar no molde. Tudo sempre fresco e muito gostoso.
O fogão, era o de lenha. Precisava constantemente limpar o chaminé para não voltar à fumaça e puxar bem. Para acender o fogo usavam-se os gravetos, uns mais fininhos, outros um pouco mais grosso, catados pelas crianças e armazenados no caixão da lenha. A lenha seca, guardada no porão das casas. Levantava-se muito cedo para afazer o fogo. Até a chapa esquentar para depois fazer o café, tomar o chimarrão.
Nos invernos rigorosos acendia-se o fogo voltava-se mais um pouco para cama quentinha. A coberta de pena de ganso ou então de lã de carneiro, garantia o calor, nas noites geladas, em que soprava o minuano.
A comida no fogão a lenha tem um sabor diferente. Ela é cozida sem pressa. O alimento era tratado com mais carinho. O feijão, então ficava uma delicia. Para fazer a polenta, se retirava as rodinhas do fogão. A polenteira de ferro ia direta ao fogo.  Muitas vezes a chapa de ferro ficava vermelha com o fogo de lenha de guamirim.
Nos dias de chuva ou de muito frio, a família sentava–se ao redor do fogão. Esse já era um pouco separado da parede, para caber um banco. Ali se conversava, contava-se histórias e, muitos causos. Assava-se o pinhão, o amendoim, a batata doce. Até o pão lambuzado com banha era assado na chapa bem limpinha.
Há tempo! Quando se tinha tempo de unir os familiares. Podia-se conversar e dar gostosas risadas. O calor vindo das chamas, o brasido formado, era como notempo das cavernas. Aquecia, além de acrescer com doçura, os valores familiares e humanitários. Se fazia comunidade.
Um dia todo especial, era da carneação. O porco engordado no chiqueiro, não muito distante da casa, quando ficava do tamanho suficiente, reunia-se os homens e, as mulheres mais achegados. O bicho era sacrificado Tiravam-se os pelos com água quente, aquecida no tacho de ferro, que toda a casa tinha um. Servia também para fazer a banha.Fazer doce de frutas.
Nada se perdia. Fazia-se o salame, depois de ensacado na tripa do próprio animal, muito bem limpa, ia para a fumaça feita com lenha verde. O chouriço de sangue, bem temperado e cozido.  A morcilha, de miúdos, também temperada com muito sabor. Alimentos já utilizados pelos antigos gregos.
A carne, fresquinha era dado um pedaço para cada vizinho. Cortesia, sempre retribuída e, assim, a carne fresca era mais frequente. Não havia geladeira. O toucinho salgado e defumado. Tudo ficava guardado no porão. Esse que era fresco, de chão batido, tinha um canto escuro, para não atrair as mosca.
A carneação, o salame, os quitutes, feito num dia só. Uma trabalheira danada. Mas era um tempo que era assim. Alguns ainda faziam o charque. Matavam umboizinho ou um cabrito ou ovelha. Esse, preparo dava bem mais serviço. Eram vários dias, primeiro salgar, pendurar, assim desidratar a carne, para depois, por as mantas no sol. Geralmente uma criança ficava com um ramo, cuidando das moscas. À tardinha era recolhida e pendurada no porão. No outro dia, ia par ao Sol novamente.
A carne também era conservada em gamelas de madeira ou latas, no meio da banha. Ficava preservada pôr muito tempo.
O pão sovado, feito com fermento de batatinha, assado no forno a lenha. Depois de tirado da forma, quando a forma era uma palha de milho, passava-se leite com açúcar para não ficar cascudo e ter uma cor avivada.
O pãozinho fresco, com a nata do leite, uma delicia. Ou ainda com o melado também produzido em casa, Esse, era trocado com os vizinhos. Pão fresquinho, cheiroso alimentava e agraciava todos da família.
As crianças tinham muitas obrigações. Cuidar dos animais, dar água comida, buscar e, levar no potreiro, se amarrado, trocar de lugar. Limpar a casa. Mas mesmo assim, brincavam muito. Subir nas árvores, embalar-se nos galhos. Os arbustos com cipó, eram um encanto.  Brincar de esconde-esconde, jogar bolita. Acertar o burico, feito com o calcanhar, era uma arte. Os dedos coitados ficavam cheios de calo.
Os carrinhos de rolimã, nas decidas sem, se preocupar com carros ou caminhões.  As ruas eram continuidades dos pátios das casas, embora esses fossem cercadas, não havia perigo e nem tanta maldade.
Um tempo que se foi. Deixou saudades, apesar de tanto trabalho. O importante, a grande lição de vida, foi que sobrava tempo, para conversar, tomar chimarrão, visitar os vizinhos. Nas noites, de lua cheia se fazia os serões.  Nos aniversários as surpresas.
Essas, embora não fossem surpresas mesmo, tinham um elo todo especial. Os amigos, os compadres reuniam-se algumas quadras, antes da casa do aniversariante. O gaiteiro, mais o violeiro, vinham dando os acordes musicais. Todos cantavam, não incomodavam os que estavam dormindo. Batiam palmas no portão. O dono da casa, levantava-se pra recebê-los.
Algumas mulheres, já iam direto no galinheiro, a primeira galinha ou um galo encontrado,  quebravam o pescoço. Depenavam, limpavam a pobre ave que estava dormindo, mesmo assim, não tinha sossego.  Trazia limpa para dentro de casa. Outros, já tinham acendido o fogo, achado a panela especial e o brodo, era posto para cozinhar. Para garantir traziam de casa, o pão. O queijo como todos tinham, era só ralar.  A festança estava pronta. Dançavam, cantavam e alimentados, de madrugada, todos se recolhiam nas suas casas para dormir, pois no outro dia era preciso levantar cedo. Os afazeres diários não podiam esperar.
Um tempo com suas peculiaridades. E, muito bom. 


 
 
Conto publicado no livro "Contos Selecionados de Grandes Autores Brasileiros" - Maio de 2016