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Neiva Terezinha Paludo Chemin
Chapecó / SC

 

Doces lembranças

A velha serraria funcionava todos os dias, do amanhecer até o anoitecer.
Ao seu redor, casas de tábuas largas já desbotadas pelo tempo abrigavam as famílias dos empregados.
Do avô Emílio, a serraria passou para o filho Leonel e depois para os netos Nereu e Nilceu.
O sobrinho de Nereu (o patrão chefe), Carlos Eduardo (Negão), trabalhava com o caminhão que puxava toras para serrar. Época de trabalho pesado e perigoso.
Os empregados eram os maiores aliados; muito unidos. Como a frase dos três mosqueteiros: “Um por todos e todos por um”.
Alcides era um que se destacava por ser fiel aos patrões. E a rotina seguia...
No sábado à tarde, dia de se divertir.
A vila, Alto da Serra, era mais ou menos a um quilômetro de distância.
Bem merecido descanso e diversão.
Jogar cartas, beber uma pinga ou cerveja; logo se seguia com baile na comunidade.
Lúcia, mulher de Alcides, era mais caseira. Em casa cuidava dos filhinhos. Ele adorava dar suas saídas. Coração apaixonado onde alguém lhe dava bola.
Muitas piranhas caiam em cima dele; mandavam bilhetinhos: “Eu amo você. Me mande dez cruzeiros. Beijinhos... beijinhos...”.
E ele correspondia.
Adorava dançar, mas a mulher pouco o acompanhava. Ah, sanfona! O gaiteiro tocava pra valer! E lá estava ele.
O baile seguia animado... Era xote, rancheira, vanerão e tudo mais... Dançava... Não perdia nenhuma dança, estava em todas.
Precisou ir ao banheiro que era fora, no pátio: uma casinha muito velha. Convidou o compadre Bento para lhe acompanhar. A noite estava muito escura... Iam riscando fósforo para achar o lugar. O compadre guiava:
- Mais pra cá... Mais pra lá...
E assim foi indo até achar a dita.
Numa das tantas, Alcides caiu na fossa.
Que prejuízo!
Ficou sujo até as canelas; um cheiro insuportável.
O compadre o ajudou sair daquele chorume.
Foram procurar uma manga de água para esguichar o vivente; lavaram o que deu. A bota que usava, cheia de sujeira... E dê-lhe água...
Passado mais ou menos uns quarenta minutos, sacudiu-se um pouco e disse:
- Agora eu vou dançar mais ainda.
Maria Pipeta era seu par. Já estava ansiada pela sua demora.
Alcides entrou no salão. Tomou cerveja. Agarrou Maria com seu vestido de chita bem rodado. E dele baile... Música pra valer. Rodopiava a companheira.
Ela se achava cheia de amores por ele.
A roupa molhada... A bota, no rodopiar respingava e exalava aquele “perfume de gardênia”. O cheiro era insuportável... Com os respingos fedorentos, o pessoal foi se retirando.
O casal continuava a dançar como uma pluma; parecia estar nas nuvens. Gritava ele:
- Toca gaiteiro! O baile só está começando... Dança Maria Pipeta... Dança que a vida pode ser um dia. Dança... Dança... Maria!
Alcides, trabalhador fiel, quando tirava para se divertir era pra valer...
Primo também um incansável trabalhador: o preto de alma branca.
Carlos Eduardo, o famoso Negão, trabalhava muito durante a semana. No domingo, prestigiava os empregados com o passeio de caminhão nas localidades próximas, para jogarem partidas de futebol. Era divertido! As garotas gritavam:
- Gol!!! Gol!!!
Que saudades... Hein? Negão!
A esposa do patrão Nereu, Eloá, dedicada, sempre a seu lado, cuidando dos queridos e amados filhinhos: Fernando e André.
Mãe do patrão, Idalina, uma heroína na magia da culinária; preparava pratos maravilhosos em pouco tempo para alguns empregados ou visitantes. Deus a abençoe mãe!
Patrão Nereu estava sempre junto com os mais humildes. Onde havia um fogo de chão lá estava ele tomando chimarrão e contando causos. Isso era a sua maior satisfação e de a todos os que o rodeavam: Primo, Lindolfo, José, Alcides, Mário, Tonha, Neri, Luiz, Bento, Chico, Vanin e Gundo.
Essa época foi difícil, anos setenta, mas com carinho marcou o coração de quem conviveu nesse grupo tão unido.
O patrão e a esposa, hoje, rodeados dos filhos, noras Sandra e Ane, e dos netos muito amados: Júlia, Eduarda e o pequeno João Caetano, vivem no cantinho aconchegante de sua casa. A serraria não existe mais, mas a roda de chimarrão ainda corre no fogo de chão.
E o pensamento volta ao passado: com a doce lembrança que o tempo não apagou.

 

   
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Abril de 2014