Luciana Regina Damino Bechelli
São Paulo / SP
Minha Bisa é esquisita
Nem todo mundo tem a sorte de ter uma Bisa. É isso mesmo,
Bisa, Bisavó!
A minha é tudo de bom, melhor do que se vê na TV.
Ela é gordinha, fofinha, faz uma comida gostosinha e também
usa dentadura (novidade para alguém da idade dela, né?).
Parece que dizendo assim, toda Bisa é igual, mas não
é não, a minha parece de outro Planeta. Olha só
o que ela faz!
Acorda às 3:30 da madrugada (acho que é parente
de coruja), faz um café no bule (nossa, se ela não
usasse bule, acho que na minha geração eu não
ia conhecer um), coa o café no coador de pano, que mais
parece uma meia suja e toma ele, comendo pão com manteiga,
ouvindo um programa de rádio que só fala de crime
e ainda chora com as notícias. Até aqui, normal!
Nada de tão esquisito assim.
A esquisitice começa quando ela me convida para dormir
na casa dela.
- Filhinho, vem dormir na casa da Bisa, me faz companhia e eu
te conto umas histórias.
Com aquela doçura toda, não dá para resistir.
Lá vou eu. Cueca, meia, pijama, escova de dente, pente
e uma vontade louca de fazer bagunça.
Quando cheguei lá, ela me colocou para dormir numa cama
de casal imensa que eu até fiquei com medo de me perder
nela.
- Você tem medo de escuro, filhinho?
Claro que sim, toda criança tem!
- Não Bisa, claro que não!
Ela saiu do quarto e lá foi até o quintal, pegou
um balde de alumínio e trouxe até o quarto.
- Trouxe um balde. Vai que te dá medo do escuro!
Mas o que um balde tem a ver com o escuro? Ela devia estar ficando
gagá.
- Filhinho, se te der vontade de fazer xixi de madrugada, pode
fazer no balde, assim você não precisa ficar com
medo de sair do quarto e ter que ir até o banheiro.
Xixi no balde? Uau! Essa é novidade.
- Tá bom Bisa, mas acho que não vou precisar. Boa
noite.
Não vou precisar? Que nada, eu estava louquinho para fazer
xixi no balde, afinal de contas, quem hoje em dia faz um xixi
num lugar tão diferente assim? Fiquei “ligadão”,
sem pegar no sono, só esperando o tempo passar para que
a Bisa pegasse no sono.
Zapt! Lá fui eu “xixizar” no balde.
Nossa, que barulhão que faz esse balde de alumínio,
assim a Bisa vai acordar!
Matei a curiosidade e me senti entrando no Livro dos Recordes:
o primeiro menino a fazer xixi no balde!
No dia seguinte a Bisa fez uma torta de coco deliciosa e eu não
resisti, comi, comi e comi.
Como toda criança não tem o que fazer na casa de
gente idosa, fiquei indo para lá e para cá, fuçando
em todo lugar, sem deixar que ela visse.
Abri gaveta e gavetinha, porta e portinha, achei sacola e sacolinha.
Nossa, quanto cacareco que gente idosa guarda! Tem coisa que eu
nem sei para que serve?!
O dia já estava ficando chato e eu já ia pedir para
ir embora. Deitei no tapete do quarto e espiei para ver se tinha
alguma coisa em baixo da cama da Bisa.
Nossa! Estava cheio de um montão de coisas!
Entrei lá em baixo que nem cobra rastejante e achei uma
mala preta, da “época do onça”. Tinha
um cheiro tão ruim, que tive que prender a respiração.
Puxei a mala para fora e coloquei em cima da cama. Já estava
quase ficando verde sem respirar. Fui até a janela, respirei
ar puro e voltei para ver o que tinha na mala. Mexi nos fechos,
que já estavam enferrujados e “zapt”, abri
a cheirosa!
Credo, que coisa esquisita, parecia que a Bisa ia viajar. Só
tinha roupa e sapato dentro da cheirosa.
Toc, toc, toc, lá vinha a Bizoca arrastando o sapatinho.
- Bisa, a senhora vai viajar? Achei uma mala em baixo da sua cama.
- Não filhinho, não vou não, é só
o meu enxoval.
- Enxoval? A senhora vai casar de novo?
- Não, é para quando eu morrer.
- Como assim?
- Olha só, aqui tem um vestido, uma meia calça,
um par de sapatos, roupas íntimas e um lenço para
colocar na cabeça. Quando eu morrer, quero que coloquem
essa roupa em mim e não quero que ninguém tenha
trabalho, por isso já deixo tudo pronto.
- Credo Bisa, a senhora é muito esquisita, nunca vi ninguém
fazer enxoval para quando morrer.
- Isso é mania de gente “velha” filhinho. Arrume
tudo e vamos jantar.
Olhei tudo aquilo e fiquei pensando: aquele vestido era muito
grande para a Bisa e cabia umas duas dela dentro dele. Acho que
ela tinha comprado antes de emagrecer. A calcinha e o sutiã
eram novos e mamãe dizia que o elástico apertava
e machucava quando eram novos. Nossa, e aquele sapato, eles iam
comer os calos dos dedos dos pés da minha Bizoca, de tão
duro que era aquele couro novo.
Tadinha, ia ficar cheia de dor. Então, resolvi dar um jeito
naquilo tudo, sem que a Bisa visse. Era uma surpresa.
Troquei a calcinha e o sutiã por uns bem velhinhos, pelo
menos eram mais molinho e não iam machucar aquela pele
fofinha e cheia de ruguinhas.
Corri no banheiro e peguei um chumaço de algodão,
pelo menos, quando ela morresse, poderia colocar em cima dos calos
e o sapato nem ia machucar.
Mas e aquele vestido? Era tão bonito e florido, mas também
era grande demais.
Pensei, pensei e achei uma solução. Fui até
a máquina de costura e peguei uma agulha e linha para colocar
dentro da cheirosa. Quando a Bisa morrer, vai ter muito tempo
para costurar o vestido.
Pronto, estava tudo arrumado e bem melhor do que antes. Quando
fui fechar a mala, lembrei de colocar um casaco, pelo menos, se
ela morresse no inverno, não ia sentir frio de baixo da
terra.
Agora sim, tudo certo. Fechei a cheirosa satisfeito.
Nossa, que ansiedade. Será que ela vai ficar feliz com
a minha surpresa?
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