Sergio
Tavares
Maceió / RJ
Luzes de lamparina
A casa que morávamos era grande, de um branco amarelado
pelo tempo, coberta por um velho telhado de madeira, por onde
o vento soprava, tornando as madrugadas mais frias. Poucos móveis
faziam parte da mobília, além de uma antiga cristaleira,
que servia para guardar de tudo, menos cristais, utensílio
raro que eu não conhecia. Lembro da sala, da varanda, do
quarto e o restante são vestígios que perambulam
por minha memória.
A iluminação ao anoitecer era feita por lampião
com querosene, que comprávamos no armazém. As luzes
da lamparina formavam nas paredes sombras fantasmagóricas,
que serviam para nos assustar, e pouco clareavam os cômodos
escuros.
Nessa época, eu tinha medo de fantasmas, acreditava em
mulas-sem-cabeças; no saci-pererê; nos assustadores
sete anões, apesar da Branca de Neve ser boazinha; nas
histórias que ouvia sobre as bruxas que voavam em suas
vassouras; no corcunda de Notre Dame ou Nostradamus, para mim
não havia diferença; no Frankenstein; nos duendes,
não sabia o mal que eles podiam me fazer, mas eu não
pagava pra ver; no lobo mal, que “pegava as criancinhas
para fazer mingau” e, sempre, que eu via um morcego corria
com medo do vampiro Drácula.
Éramos criaturas assustadas, que ouvíamos essas
histórias e achávamos o planeta Terra um lugar terrível
para viver, apesar das brincadeiras. Tínhamos medo até
da carrocinha que passava pelas ruas recolhendo cachorros e gatos,
e, naquela época, diziam que caçavam os pobres animais
para fazer sabão. – Será verdade? –
perguntávamos à mamãe. Fato que ela nunca
chegou a desmentir, talvez para impedir que fôssemos para
a rua brincar.
Vivíamos em um mundo mágico, cercado pela magia
do encantado, e, dessa forma, crescíamos deslumbrados pela
vida, envolvidos pela inocência, e pela morosidade do nosso
amadurecimento. A vida era pacata, passávamos aborrecimentos
de uma família humilde, mas em minha cabeça infantil,
era como se a dificuldade fosse algo normal. Catar caruru no mato
para mamãe fazer com ovo frito e farinha, era só
uma brincadeira. Sei que ficava gostoso, mas o vocábulo
“necessidade” não fazia parte de nosso linguajar,
muito menos sabíamos o significado. As palavras que dominavam
no mundo em que vivíamos eram limitadas, pois, nesse tempo,
nem possuíamos televisão em casa.
Eu sabia da existência do rádio, pois havia um daqueles
bem grandes na sala, com caixa de madeira, chiava um pouco, mas
funcionava. Existia também uma imensa vitrola, onde meu
pai tocava discos antigos que gostava. Enquanto isso, minha irmã
aproveitava para dançar na frente do espelho, como faziam
as meninas na mesma idade. Um espelho era algo muito especial
- nesse tempo, sem internet, as garotas viajavam sonhando com
príncipes encantados, como a Cinderela.
É quase desnecessário dizer, mas a vida de criança,
no final dos anos sessenta, era muito diferente dos dias atuais.
O mundo era outro, e a velocidade do tempo parece que era em marcha
lenta.
Lembro de mamãe falando para minha irmã não
estudar no escuro, pois aquela iluminação com lampião
fazia mal para a vista, mas ela gostava de ler, e de tanto forçar
a visão, teve que usar óculos tipo "fundo de
garrafa" por causa da miopia que aumentou rapidamente. Não
podia imaginar que essa preocupação com os olhos
de minha irmã, seria um dos grandes tormentos que mamãe
enfrentaria mais tarde, com os próprios olhos, que a levou
a cegueira total.
O quintal era grande e haviam árvores frutíferas,
onde aprendi a tabuada e as primeiras letras do alfabeto, ensinados
por mamãe. Algumas vezes, utilizava artifícios para
enganá-la, escrevendo o resultado das contas de multiplicar
em uma árvore próxima, pois só assim eu sairia
do castigo mais cedo para brincar, porém quando ela descobria
a cola, eu apanhava com uma varinha de bambu nas pernas. Ela só
nos batia, de leve, e ficávamos pulando iguais a grilos
tentando nos safar das cipoadas e, para nosso azar havia um bambuzal
no quintal e o estoque das varas nunca iria acabar. Mamãe
foi criada com uma disciplina rígida, em uma época
em que ainda havia a palmatória - castigo que já
fora abolido, - mas entendo que ela só queria nos educar
da forma que achava melhor, afinal de contas, tinha feito o curso
de normalista, em um Colégio de freiras.
Para complementar o mundo fantasmagórico, às vezes,
observava cobras corais passeando nos quintais, em direção
aos bambuzais aonde se aninhavam; morcegos voando ao entardecer
a nossa volta; e uma cantoria indescritível de todo tipo
de bicho de hábito noturno. Em outras ocasiões,
via as ratazanas abocanharem os pintos que ciscavam no lixo, e
puxá-los para dentro das manilhas dos esgotos; este caminho
era utilizado pela quadrilha de ratos para armar suas emboscadas
para os franguinhos.
Eu acreditava na existência do Papai Noel, o velhinho de
barbas brancas com um grande saco de presentes nas costas, que
desceria pela chaminé nas noites natalinas. Mas em nossa
casa não havia chaminé e, isto me incomodava, pois
ficava imaginando por onde ele entraria lá em casa. Também
não conseguia entender como aquele ancião conseguia
tanta força para descer por uma chaminé carregando
um saco pesado. Enfim, era Natal e, mamãe sempre dizia
para nós colocarmos na janela os sapatinhos para recebermos
os presentes, pois seria mais fácil para nós acharmos,
e, também, para facilitar a vida do velhinho.
Lembro de um dia de Natal, que pomos os sapatos já surrados
no lugar indicado por ela, e quando foi pela manhã, acordamos
correndo para ver o que o Papai Noel havia deixado... Tamanha
foi a felicidade quando vimos os calçados cheios de doces
e balas, e para minha alegria havia um grande caminhão
de plástico. Era tudo que eu queria ganhar, um caminhão
com carroceria, para substituir a minha velha carreta, construído
com latas, cheias de areia e amarradas por barbante.
Fiquei tão feliz naquele Natal, que brinquei durante todo
o dia, sem me importar com mais nada que havia ao meu redor, e
nem percebi quando fui envolvido pelo anoitecer, que trouxe os
vagalumes para iluminar a minha felicidade.
|
|
|
|
|