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Flavio Dias Semim
Presidente Prudente / SP

 

Praia do paulistano



O bairro de Interlagos, no lado sul da Capital de São Paulo, é famoso pela sua pista de corridas, onde uma vez por ano é disputada uma fase do campeonato mundial de automóveis da fórmula 1. Ali está, também, um dos maiores reservatórios de água potável para abastecimento da população, a represa de Guarapiranga.
Lugar aprazível, onde nos dias de verão, principalmente aos domingos, o paulistano usa para banhos, pescarias, navegação, esqui aquático, enfim da melhor forma que cada um possa aproveitar o dia de folga e o contato com a natureza.
Todos os tipos de vendedores de bugigangas e quinquilharias fazem dali o seu ponto de ganhar o pão de cada dia. Vendem-se sorvetes, milho verde, água de coco, cerveja em lata, refrigerantes, protetor solar, enfim tudo o que é possível comercializar numa praia de mar.
Ernesto, um mulato forte, bem-falante, olhos vivos e espertos, anuncia o seu produto, cachorro-quente, que traz acondicionado em uma embalagem de isopor, onde foi pintada sugestivamente a figura da mercadoria que acondicionava. Vestido de calção, tênis e luvas, tudo branco, cabelos cortados rentes, barba aparada, sempre demonstrando limpeza e muita higiene, aliado a forma delicada com que oferece seu produto: “aceita, madame?”, “experimente, senhora!”, “foi feito para ti, freguesa”, numa atitude de delicadeza e respeito. Uma simpatia!
Porém, como nada é perfeito, Ernesto tem um grave defeito, vindo talvez das suas origens. Pouco educado, onde as boas maneiras não lhe foram ensinadas, mas aprendidas por si só, o seu “defeito” era um vício incontrolável, que já não incomodava quem o conhecia, porém, para estranhos tornava-se um problema grave; o Ernesto, sem perceber, de vez em quando levava sua mão esquerda entre as pernas e dava uma calorosa, porém breve coçada no seu membro masculino.
Naquele ensolarado domingo, aproximando-se de um casal que preparava para se acomodar num canto aprazível à beira da represa, embaixo de uma árvore, muito delicadamente aproximou-se da bela senhora e com todas as letras ofereceu o seu produto, dizendo - “aceita, madame?” - simultaneamente ao gesto vicioso. Para sua infelicidade, o marido da bela senhora, um mulato nada tolerante e muito mais forte que o Ernesto, campeão paulista de Karatê, exímio lutador de capoeira, surgiu à sua frente e perplexo diante da cena, da ousadia do ambulante, não teve dúvidas, aplicou uma tremenda surra no Ernesto, dizendo ser aquele um pequeno corretivo, uma lição apenas em tão atrevida criatura. Após a certeza de ter defendido a sua honra, é certo também, que extravasara o seu ciúme, o seu despeito amoroso na defesa da bela companheira.
A desesperada tentativa de fuga do Ernesto ficou marcada pelos sanduíches perdidos, desordenadamente enfileirados na areia da praia e por pouco não morreu afogado, pois alcançado mesmo na correria, a caixa de isopor lhe foi enfiada cabeça e pescoço abaixo e jogados na água, onde graças a alguns banhistas presentes foi socorrido em tempo oportuno.
Hoje o Ernesto jura que o acontecimento foi muito útil e até agradece ao tipo que nunca mais viu, pois acabou com seu maldito vício. Porém, por via das dúvidas, passou a usar definitivamente nas horas de serviço uma tipoia, de pano muito branco, com a qual imobiliza sua mão e braço esquerdo e no direito tem amarrado no pulso a alça da caixa de isopor com seus cachorros-quentes, situação suficiente para ganhar a sua vida pacificamente e atender bem a clientela, impossibilitando uma eventual prática do gesto involuntário.
-Aceita, senhora?



   
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Abril de 2014