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Ediloy
A. C. Ferraro
As voltas que a vida dá Alencar era um colega de serviço, alguém que não
fazia diferença alguma, mas, por serem trabalhadores da
mesma empresa, utilizando-se o uniforme padrão, ainda que
em departamentos diferentes, acabaram por estabelecer um contato
eventual, nada de muito sério, a princípio. Numa
conversa ocasional em um bar, arrependendo-se de ter dado trelas
aos murmúrios do infeliz, selaram compulsoriamente a amizade,
deixando de serem apenas conhecidos, ao falar de si mesmo estreitava
os laços, a confidência é própria de
amigos. Começava a sua tortura, de natureza reservada não
era dado a se expor com ninguém, também não
entendeu porque aquele homem se sentiu tão à vontade
para relatar todo o seu drama pessoal. Era um mala, a bem da verdade,
apenas uma tolerância fraterna para lhe dar alguma atenção.
Vivia deprimido, a mulher o abandonara levando o casal de filhos,
em poucas linhas de um bilhete dava passe livre ao marido, acusando-o
de intolerável, entre outros adjetivos pouco recomendáveis.
Era a sinopse de mais um casamento esgarçado na poeira
da convivência num histórico intramuros da intimidade
de um casal. Ele dizia não saber o porquê daquilo,
deduzia que era pelo pouco rendimento dele, único provedor
da casa, e a questão financeira, sempre ela, a atormentá-los.
A esposa esconjurada o lembrava diuturnamente que os recursos
eram escassos, havia sempre necessidades extras, aquilo o aniquilava,
sentindo-se impotente para reverter os fatos e ter um ganho satisfatório.
As conversas entre os dois dava-se no compartilhamento de algumas
cervejas, conta dividida, ambos solitários, isso quando
não houvesse algo melhor a fazer, momentos em que mudava
de rumo e de bar, esquivando-se sempre que possível do
acompanhante de conversa de uma nota só. Problemas? Já
tinha os dele e não enchia os ouvidos de ninguém.
Arrependera-se de ter dado o número do telefone, aliás,
nem se lembrava disso, como será que ele soube? Alguém
invadiu a sua privacidade e o entregou, imagine, não bastasse
aturá-lo vez ou outra, e agora receber uma ligação
imprópria àquelas horas ! Deve ter tido uma crise,
será que cometeria alguma sandice? Debalde o estado emocional
parecia ter equilíbrio, exceto quando o usava como confessor
para desafogar as mágoas, ai era um Deus nos acuda nas
lamentações intermináveis. Não se
sentiria culpado, era maior de idade e responsável por
suas atitudes. Apesar de estar sempre triste, parecia empolgado
na ligação, rindo e cantando, entusiasmado. Talvez
efeitos de alguma medicação antidepressiva para
liberá-lo do marasmo e da tristeza. Bastou perceber a voz
inconfundível, nem bem o ouviu, e desligou. Felizmente
não houve insistência, não tornou a ligar,
como comumente fazia ao persegui-lo pelas ruas nos seus passos,
buscando sua companhia. Passou o resto da noite semi acordado,
praguejando pela insônia inusitada. Assim que o encontrasse
tiraria satisfações, o chamaria à razão,
findaria por vez aquele relacionamento, não era confessionário
para ouvir lamúrias inesgotáveis, recomendaria a
ajuda de um profissional, psicólogo ou um psiquiatra, o
convênio médico da empresa oferecia esses serviços.
Vê-lo e evitá-lo já estava se tornando uma
rotina chata, sentia-se constrangido, afinal, apesar de tudo,
penalizava-se pela situação dele, a reclamar saudades
da esposa e dos filhos. As noites dele deveriam ser tediosas ,
ao retornar ao lar e ver-se só. Como nunca se casara não
poderia sentir falta de ninguém a esperá-lo, mas,
quanto a ele... Merda, o infeliz, mesmo a distância, continuava
ocupando sua mente, pior, fazendo-o sentir-se responsável,
tirando-lhe o melhor do sono, no amanhecer estaria um trapo, sem
concentração para o trabalho. Nas conversas, verdadeiros
monólogos exaustivos onde fingia estar atento, ouvia sempre
o reprise do filme de sua vida, as lágrimas saudosas dos
seus parentes, o lastimar do pouco dinheiro, segundo ele o fator
provável da separação da mulher, rememorando
passagens felizes, sorvendo em soluços disfarçados,
aos goles pausados, a bebida que compartilhavam. A condição
financeira era fundamental, repetia ele, restando ao parceiro
apenas o concordar com a cabeça. Se tivesse recursos seria
feliz, com certeza, não havia maiores problemas domésticos,
julgava amar e ser amado pelos seus. Momentos em que olhava para
ele e afirmava convicto, eu te ajudaria também se conseguisse
ganhar alguma fortuna, reconhecendo nele o seu único amigo,
agradecendo-lhe em olhares e gestos de apertos de mãos
a solidariedade. Fazer o quê? Apenas emprestar por momentos
a sua presença, mesmo distante, pensando em outras coisas,
para vê-lo menos infeliz. Sabia que tomando alguns goles
ele ficaria relaxado e dormiria melhor, não se angustiaria
tanto nas saudades cruciantes. Raros instantes a sentir-se menos
egoísta e mais solidário com alguém, embora
reclamasse com seus botões pelo sacrifício indesejável.
O tempo tudo cura, filosofava consigo mesmo, haveria também
de ajudá-lo, bastando ter paciência para purgar aquela
dor, chaga ainda viva, exposta. Neste intervalo, parecia já
abnegado, estaria presente ( sempre que não desse para
escapar) para ouvir o martírio do outro.
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Conto
publicado no livro "Contos de Verão" - Edição
Especial - Abril de 2014 |
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