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Letícia Alvarez Ucha
Porto Alegre / RS

Visita inesperada




Larissa não aguentava mais o calor escaldante daquele verão de 2014. Sexta-feira seria feriado e não teve dúvidas: resolveu subir a serra e passar uns dias na casa que a família havia adquirido havia algum tempo. Seu marido e filhos estavam viajando a negócios em São Paulo.
Chegou sexta-feira e tomou rumo à serra. A casa ficava meio distante do centro da cidade. Com exceção da residência ao lado as outras estavam fechadas. Chamava atenção o entra e sai de pessoas, algo incomum em pleno verão. O movimento da cidade acontecia mesmo era no inverno.
Cansada, deixou a bolsa e alguns boletos bancários em cima da mesa da sala. Tomou uma taça de vinho branco e adormeceu ali. Acordou, foi pegar os boletos para separá-los e não os encontrou. Coçou a cabeça estranhou e ficou em dúvida se os havia deixado na sala mesmo ou somente pensado em colocá-los ali.
Subiu até ao quarto, abriu as portas do guarda-roupas e viu pelo espelho que um homem aparentando mais de 80 anos estava lá. Sentiu seu coração disparar e sem pensar gritou:
- Tem ladrão aqui! Socorro! - exclamou em tom de desespero na esperança de que algum vizinho a ouviria.
- A senhora está louca? Eu moro aqui nesta casa há muitos anos. Como entrou aqui? – disse o homem.
- Saia agora da minha casa ou eu chamo a polícia! – disse Larissa caminhando em direção ao intruso.
- Meu nome é Tomaz sempre morei aqui! – disse o homem já brabo e caminhando para trás.
Ambos estão perto da escada, mas mesmo assim Larissa continua a avançar em direção do idoso e este caminha de costas.
De repente, Tomaz tropeça no degrau e rola escada abaixo. Larissa grita.
- Meu Deus, ele não pode ter morrido! Como vou provar que não fui eu quem o matou!? – gritou em voz alta para si mesma.
Olhou pela janela, e parecia que o movimento na casa ao lado havia parado. Silêncio. Nenhum carro passava pela rua, somente os pássaros cantavam. Nervosa, Larissa foi até a beira da escada, arrasta o corpo do estranho e o leva até a garagem que tinha ligação direta com a casa.
Sai de carro com o corpo no porta-malas. Roda, pela estrada e larga o corpo num matagal. Espera anoitecer para voltar para casa.
Chegando lá, leva um susto: carros da polícia estavam em frente a sua casa e a do vizinho.
- Boa noite. Sou o policial Paulo. A senhora mora aqui? – disse olhando-a bem nos olhos.
- Comprei esta casa há cerca de um ano e vim somente no inverno. Agora como o calor está insuportável na capital, vim passar uns dias. – disse Larissa olhando para outro lado.
- A senhora poderia nos dar algumas informações e preciso de seus documentos.
Larissa fica assustada: teriam descoberto o corpo do ladrão? Começa a esfregar as mãos, respira fundo e pensa em contar a verdade, quando fecha os olhos para tomar coragem é interrompida pela chegada de outros policiais.
- Senhor, encontramos na casa ao lado um pacote com comprimidos parecidos com LSD. Levaremos para análise. Os moradores da casa já foram levados à delegacia e estão prestando depoimentos.
- Desculpe, não estou entendendo nada. – disse Larissa mais calma.
- Os seus vizinhos estavam fazendo festas seguidas e o movimento na casa que costuma ficar fechada no verão chamou a atenção de alguns caseiros. Investigamos e tudo nos leva a crer que eles eram traficantes. Estou aqui somente para saber se a senhora tem alguma informação a mais. – disse Paulo
- Não. Vim apenas passar uns dias fugindo do calor. Não vinha desde o inverno. – disse Larissa já os levando até a porta. – e completou.
- Parabéns pelo trabalho. – disse Larissa ao policial.
O verão não dava trégua e o clima ameno da serra fez com que ela resolvesse passar mais alguns dias. Às vezes, tinha alguns pesadelos com o ladrão que entrara na sua casa, mas recusava-se a pensar no assunto. Não contou nada a seu marido e filhos.
Dias depois...
Liga a TV e o noticiário anuncia :
- Em instantes: homens acusados de tráfico em cidade serrana são liberados porque a droga metilona não está entre as catologadas pela Anvisa. Peritos informam que ela é mais potente que LSD. – diz o repórter. Nas imagens da reportagem aparecem fotos da casa vizinha de Larissa.
Ela balança a cabeça e diz para sua faxineira Kimberly:
- Você viu que absurdo! E isso aconteceu com os inquilinos da casa ao lado. Enquanto essas drogas não são catalogadas, pessoas vão morrendo, ficando viciadas...
Kimberly não diz nada e vai atender a porta.
- Quem é? – questionou Larissa
- É um policial, quer falar com a senhora.
Paulo foi entrando e ao seu lado estava um homem de meia-idade e do outro...
Larissa entra na sala e leva o maior susto. Seus lábios e pernas tremem. Lá estava o idoso que havia invadido sua casa!
- Boa noite. Sou Vicente. Meu pai foi encontrado junto à estrada e em seus bolsos havia boletos bancários em seu nome. Não sabemos como ele foi parar na estrada, é o Alzeheimer que o deixa assim. Esta casa foi nossa e às vezes ele ainda pensa que é. Ele deve ter entrado aqui. É algo que vai e volta. Desculpe. – disse o filho de Tomaz.
- Não, sou eu que me desculpo. Eu comprei a casa há pouco tempo e não troquei as chaves. Eu fiz todas as tratativas com seu advogado, não os conhecia ainda. Foi um desleixo não mudá-las. Eu até pensei que tivesse perdido os boletos, já tirei segunda via. Querem um café?
- Não, obrigada, vim apenas devolver seus documentos. – disse Vicente.
- Não lembro de ter vindo aqui, ando esquecido. Desculpe qualquer coisa. – disse Tomaz cabisbaixo.
O policial olhou Larissa com ar desconfiado, mas não disse nada.
Ela suspirou aliviada e os conduziu até a porta.

   
Conto publicado no livro "Contos de Verão" - Edição Especial - Abril de 2014